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Lisboa, a «capital» do tráfico de documentos falsos

Diz quem já os comprou que documentos falsos «desenrascam-se em quase todas as esquinas» de Lisboa. Depois dosBIn e dos passaportes, a nova «coqueluche» deste mercado são os contratos de trabalho.

Diz quem já os comprou que documentos falsos «desenrascam-se em quase todas as esquinas» de Lisboa. Depois dos bilhetes de identidade e dos passaportes, a nova «coqueluche» deste mercado virado para os imigrantes são os contratos de trabalho.

Documentos que «seduzem» imigrantes clandestinos, na sua maioria africanos, que acreditam que aquele é o «passaporte» para uma vida melhor.

Uma história contada na primeira pessoa por Manuel Vidal. A paixão pelo mar levou-o a deixar Angola em 1994 para tentar a sorte em Portugal onde queria tirar o curso de navegação naval.

Hoje, a única ligação com o mar é a vista que tem da janela esconsa da cela que partilha na ala norte da cadeia de Caxias.

Com 27 anos, Manuel foi preso há nove meses por posse de documentos falsos. Era mais um trabalhador ilegal, queria comprar um carro a prestações mas para isso tinha de ter um contrato de trabalho, o que, segundo um amigo, era possível através de uma empresa de construção civil.

O pior é que, quando a concessionária automóvel foi confirmar os dados, os donos da construtora negaram tudo e acabou por ser preso.

«Quem não tem emprego fixo, tem que se desenrascar doutra maneira», diz Manuel, que garante não haver falta de trabalho «para quem tem força de vontade. O problema são os documentos».

Esta é uma história que se repete numa cidade onde há sempre alguém pronto a fazer fortuna com um negócio ilícito.

«Lojas do cidadão»

Rossio, Praça do Comércio e Martim Moniz são as «lojas do cidadão» dos documentos falsos. Ali, dizem, compra-se e vende-se tudo a uma velocidade alucinante: bilhetes de identidade, passaportes, autorizações de residência e contratos de trabalho. Mas Jacinto, recluso no Linhó por tráfico de droga, garante que «esses papeis se conseguem em qualquer esquina da cidade».

Claro que dependendo do sítio, preços e qualidade variam. Um BI comprado na rua não passa de uma dezena de contos, já um trabalho mais profissional pode chegar aos 150, garantem várias fontes contactadas pela Lusa.

Segundo Ambrósio Serra, presidente da Associação Novager, uma entidade que ajuda reclusos africanos, não há muito tempo que junto do SEF na avenida António Augusto Aguiar, em Lisboa, havia quem se tentasse insinuar junto dos imigrantes oferecendo-se para apressar o processo emitindo autorizações (falsas) de residência.

Apesar de nos últimos tempos se ter verificado um grande aumento de emigrantes clandestinos de países de Leste - nomeadamente da Moldávia, Ucrânia, Roménia e Rússia - continuam a ser os africanos quem mais cai nas teias deste comércio, segundo explicou fonte da Polícia Judiciária (PJ).

Dados avançados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) indicam que, no ano passado, 838 pessoas estiveram presas nas cadeias portuguesas por posse de documentos falsos.

Segundo o SEF, este tipo de crime engloba substituição da fotografia, alteração de dados, substituição de página, vistos, selos e carimbos, contrafacção, uso de documento alheio, emissão indevida, aquisição fraudulenta e documento furtado em branco.

Números irreais

Este ano, só no primeiro semestre, foram detidas 488 pessoas na posse de documentos falsos.

Números que não representam minimamente a realidade, já que, segundo explicou Flora Silva, presidente da Associação Olho Vivo, «a maioria das vezes os cidadãos são levados a tribunal por outros crimes e só depois é que se descobrem os documentos falsos».

Para as associações de defesa dos direitos humanos contactadas pela agência Lusa, o aparecimento destas redes está intimamente ligado à ausência de políticas de emigração justas.

«A legislação não permite a entrada de cidadãos e depois surgem este tipo de redes que criam condições para a pessoa cá ficar», disse Flora Silva, acrescentando: «As dificuldades que estão a criar aos imigrantes fazem com que se tentem arranjar soluções. Há sempre pessoas que se prestam a ganhar dinheiro à custa dos outros».

No primeiro semestre deste ano, Portugal recusou a entrada de 1156 cidadãos não comunitários. Só nos últimos cinco anos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deteve 10.657 imigrantes ilegais por tentativa de entrada e/ou permanência irregular no país.

Região Centro, a mais problemática

Apesar do número de detenções ser muito superior nas fronteiras aéreas, muitos imigrantes conseguem chegar às fronteiras terrestres e ao interior do país onde depois são capturados por utilizarem documentos falsos.

Grande Lisboa e Região Centro são as duas zonas onde se efectuam mais detenções de imigrantes clandestinos.

Segundo o SEF, «a primeira em resultado do grande número de obras em curso para onde normalmente as redes de auxílio à imigração ilegal procuram canalizar a mão de obra barata, e a segunda por ser atravessada pelo principal eixo rodoviário de entrada no país, Vilar Formoso».

Fonte da PJ diz que muitas das redes de imigração ilegal prometem tratar de toda a documentação necessária. Uma vez descoberta a fraude, desaparecem e os imigrantes ficam entregues à sua (má) sorte.

Redação