Todos os dias seis mil raparigas são submetidas à mutilação genital. Num seminário que decorreu, terça-feira, em Lisboa, discutiram-se os problemas e as maneiras de combater esta prática ancestral que pode chegar mesmo a causar a morte.
Morte imediata, hemorragias, fístulas, dor, possibilidade de transmissão do vírus da Sida ou hepatite B, infecções graves, complicações no parto, retenção da urina e sangue menstrual, tumores, dificuldades na sexualidade, traumas e depressões, são os principais problemas que podem atingir as mulheres submetidas à mutilação genital.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 130 milhões de mulheres e crianças já foram sujeitas a esta prática. Dois milhões correm anualmente o risco de sofrer mutilação dos seus órgãos genitais, em países africanos e nalgumas zonas do mundo árabe e do sudeste asiático.
«Até ao fim do dia de hoje, seis mil meninas terão sido submetidas à mutilação genital», afirmou Paula da Costa, da organização Serviço para a Paz no Mundo, durante um seminário sobre «Mutilação Genital Feminina - Direitos Humanos e Saúde», que decorreu nas instalações do Infarmed, no Parque de Saúde de Lisboa.
Ana Campos, médica ginecologista e obstetra da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, explica que a mutilação genital feminina (também chamada de excisão ou circuncisão) assume quatro tipos, desde a remoção parcial ou total do clitóris à remoção total dos órgãos genitais femininos.
A mutilação, quase sempre feita com «pouca esterilização, utilizando pedaços de vidro ou lâminas e em condições de higiene muito precárias», tem consequências irreversíveis para a saúde física, sexual e psíquica da mulher, defendeu.
«Tolerância zero para estas práticas»
De acordo com Margaret Thou, do Fundo para a População das Nações Unidas (UNFPA), a prática, com origens ancestrais, ocorre quase sempre entre o nascimento e a adolescência da mulher e pretende reduzir o prazer sexual das mulheres.
«Como se a mulher não se pudesse controlar a si própria e por
isso tivesse de ser controlada», afirmou.
Para combater este fenómeno, Margaret Thou sublinha a importância do trabalho junto das comunidades, proporcionando tratamento e reabilitação às mulheres sobreviventes, serviços de saúde e aconselhamento, também dirigido aos homens.
«Muitas jovens querem ser excisadas porque querem casar. É preciso chegar também aos rapazes e homens, que recusam casar com mulheres que não tenham sido submetidas à mutilação», explicou a representante das Nações Unidas.
Perante a hipótese de médicos e enfermeiros realizarem a mutilação «assistida», com melhores condições higieno-sanitárias, Margaret Thou sublinhou que esta «não seria uma prática profissional e ética» e defendeu «tolerância zero para estas práticas».
Portugal: «é preciso sensibilizar os profissionais»
Ana Campos, que também faz parte da Associação de Planeamento Familiar, disse à TSF Online que este seminário foi importante para sensibilizar os profissionais - médicos, psicólogos, assistentes sociais, entre outros - que se deparam com este problema.
Embora não seja frequente, Ana Campos confirma que são detectadas «na maternidade (Alfredo da Costa), mulheres grávidas - sobretudo da comunidade guineense - que foram submetidas à mutilação».
«É necessário falar com estas mulheres» mas, em Portugal, «as pessoas ainda não sabem bem como se deve actuar nesta situação», sublinha.
Crime na lei portuguesa
Não há provas desta prática no nosso país, mas os especialistas afirmam que «há rumores» de que a mutilação genital é praticada em Portugal, tendo sido trazida pelas comunidades imigrantes, principalmente da Guiné-Bissau, onde a excisão é praticada entre a população muçulmana.
A lei portuguesa considera a mutilação genital feminina como crime punível com prisão de três a dez anos e a pessoa que a executar não pode alegar em sua defesa a continuidade dos costumes ou tradição.
Isabel Gonçalves, deputada do CDS/PP, adiantou que o partido propôs na Assembleia da República que se classificasse a mutilação genital feminina como crime, mesmo sendo com o consentimento da mulher. Porque «nunca poderá existir o desejo da mulher de ser excisada», argumentou.