Desporto

Escrita criativa. A caneta de Isco

REUTERS/Susana Vera

Isco, "Magia" para os colegas, fez uma das suas melhores exibições no Espanha-Itália (3-0), marcando dois golos e deixando Verratti de rastos.

Os escritores têm os seus rituais. Uns escrevem pela manhã, outros pela madrugada fora, largando o verbo quando um qualquer grilo os lembra que está na hora de fechar a loja. Uns fumam, outros talvez metam música. Gelo no copo, uísque. Para dar de beber à coragem, sossegando a criatividade. Tudo isto é imaginação. É que os escritores que perseguimos nos livros que compramos devem ter o seu bunker escuro ou um terraço com vista bonita para um lago. Isolam-se, escondem-se da luz do dia-a-dia, procuram o conforto das palavras que se juntam como no Tetris e a angustia das páginas em branco. Todos, menos um. Francisco Alárcon, um autor de Málaga com obra publicada desde 2010, escreve sem segredos num pano verde, debaixo de holofotes, com dezenas de câmaras apontadas para ele, com milhões de olhos a abraçá-lo.

É arte. E para todos. Isco está a brincar com o coração dos adeptos do futebol bem jogado que sonham com a imortalidade dos Zidanes, Iniestas, Xavis, Laudrups e por aí fora. A alcunha é "Magia" (dada por companheiros de equipa, imagine-se) e assenta-lhe bem. Este miúdo que encanta o Bernabéu como ninguém hoje em dia está na moda. No sábado, a Espanha despachou a Itália com um 3-0, no estádio do Real Madrid, o jardim de Isco. O malagueño foi o melhor em campo, com uma daquelas exibições especiais, cheia de observações montadas à velocidade da luz, de metáforas e orações com muitas vírgulas e dois pontos finais (golaço de livre direto a Buffon e outro de pé esquerdo, de longe).

A caneta, como dizem os brasileiros, é o gesto que está no arranque deste texto. É um daqueles toques artísticos que, do profissional ao amador, deixa qualquer um orgulhoso de quem vê no espelho. Sola na bola, indignando aqueles que acham que os pitons roubam sensibilidade na troca de afetos, e pronto: caño. Parece sempre acontecer em câmara lenta. É bonito. É de corar, como sublinharia depois o selecionador italiano. Verratti desabafou, admitindo que lhe apeteceu aplaudir de pé. É o futebol dos craques, senhoras e senhores.

"Foi uma noite redonda", diria Isco no final do recital. Bastava passear pelas redes sociais para perceber que algo de grandioso acontecera. Há uns com mais sorte do que outros, que podem ver estas coisas de muito perto. Tem a palavra Giampiero Ventura, o selecionador italiano: "Foi bonito ver Isco ao vivo. É um grande jogador que fez coisas importantes. Basta pensar no gesto técnico da cueca no meio campo...". Verratti, o craque do PSG, levou a tal cueca e ainda viu Isco passar-lhe a bola por cima da cabeça e seguir como se nada fosse. "Sofri muito com o Isco, nem o Messi se aproximou daquele nível."

De acordo com o As, Isco começou a jogar aos cinco anos numa escolha de futebol na região de Málaga. Era bom aluno e aos 14 anos saltou para o Valencia, onde não demoraria muito a treinar com a primeira equipa. David Villa, antiga estrela do clube che e de regresso à seleção espanhola, lembrou o jovem Isco, que já mostrava a queda para a coisa. O jogador de 25 anos estreou-se em 2010 e em 2011 mudou-se para o Málaga, numa espécie de regresso a casa. Pelo meio, num jogo da Liga dos Campeões, o FC Porto e Helton sofreram com o seu talento. O Real Madrid piscou-lhe o olho no verão de 2013 e ele lá foi. Durante a viagem até 2017 teve pouco protagonismo, falava-se de uma mudança para o Barcelona em 2018, a custo zero, com um salário cinco vezes maior. Ele recusou a ideia, esperou, sabia que podia mostrar-se e crescer ali, como conta este artigo do El País.

A mesma publicação do As referida em cima mencionava ainda que Isco joga padel, coleciona botas e cromos e tem um labrador chamado... Messi. Os ídolos de sempre eram Zidane, Romário e Ronaldinho. O futebol deste espanhol começa a ganhar vertigens, está a chegar ao cume da montanha. Ou sim, ou sim. Joga quase sempre para a frente, em aceleração. Tac-tac. Se o meio campo de sonho de Pep Guardiola no Barcelona tinha no passe e receção a geometria perfeita para fazer movimentar os rivais e ainda aproveitar o espaço, Isco junta a esse talento todo a velocidade, o queimar linhas, a penetração no espaço. Atrai para ele a atenção, qual estrela de Hollywood em ascensão. Houve até uma fotografia de sábado que foi comparada com a de Iniesta em 2012, quando se vê rodeado de italianos, lembrando os desenhos animados japoneses onde brilhava Tsubasa.

Quando marca, muitas vezes faz um gesto em que estica indicador, mindinho e polegar. A origem dessa história deu-se numa sessão de autógrafos, quando uma menina lhe pediu para fazer isso para os meninos surdos. O gesto significava "amo-te" em linguagem gestual. Ele prometeu que o faria se marcasse. Marcou. E assim celebrou.

Isco é tudo isto, joga bonito em tempos de cólera. Ou como diz um artigo da Revista Líbero, "vê-lo jogar simplesmente te reconcilia com o futebol". Isco é um rapaz que segue na onda de Iniesta e Xavi, aqueles médios especiais que podem ousar sonhar com a Bola de Ouro. Se o futebol nunca fez justiça à dupla do Barça, Isco pode beneficiar do facto de Messi e Cristiano Ronaldo já terem entrado na casa dos 30. Isco tem 25 anos e ainda vai escrever muitos livros...