O economista francês esteve à frente do BCE a gerir a grande crise financeira de 2008.
Está surpreendido com o desempenho da economia portuguesa?
Não estou, porque o crescimento está generalizado agora por toda a Europa. O trabalho árduo feito pelos europeus, em particular em Portugal, foi precisamente para corrigir uma situação que foi muito difícil. Eu tomei a decisão de comprar títulos de dívida de Portugal em maio de 2010 com os meus colegas do conselho de governação. Foi uma decisão muito difícil de tomar, foi criticada por uma parte da Europa, mas quando vejo o que Portugal fez e o crescimento atual de Portugal, a criação de emprego atual, o nível atual de desemprego, que é muito menor do que no passado, é muito encorajador. Nós vemos o crescimento em toda a zona euro, e a zona euro está a surpreender o resto do mundo com o seu dinamismo no período atual, o que não é surpreendente para mim, mas certamente não foi antecipado pelas instituições internacionais nos últimos meses. Uma vez mais: não é hora de complacência, ainda há muito trabalho a ser feito, o desemprego ainda é alto, a dívida ainda existe e o crescimento é uma obrigação. O crescimento constante e sustentável é uma obrigação e exige reformas estruturais.
Pode haver mais surpresas na Europa?
Diria que devemos estar relativamente felizes com o trabalho que tem sido feito em Portugal e nos outros países. Devemos estar satisfeitos com o facto de termos conseguido provar que somos resilientes em circunstâncias tão excecionais. Falei da crise financeira, a falência do Lehman Brothers, e na altura muitas pessoas nos EUA e da Ásia estavam a dizer-nos que a zona euro ia acabar por ser desmantelada e que o euro iria ser dizimado. Era a convicção que tinham. E nós dizíamos que eles não conheciam a força da história europeia, que veriam que seriamos capazes de ser resilientes. E provámos! Os 15 países continuam lá, incluindo a Grécia, e mais quatro países entraram. Somos 19 hoje. Isto é uma prova de resiliência extraordinária. Não obstante, temos muito trabalho por fazer. Não só Portugal, todos nós, ao nível de cada nação, e na UE como um todo.
Como presidente do BCE, resistiu fortemente à ideia de a Grécia ser aliviada na sua dívida. Só em outubro de 2011 foi alcançado um consenso que permitiu um corte de 50% no valor dos títulos gregos. Arrepende-se?
Em outubro ainda estava lá e aceitei isso, porque na mesma altura os governos da Europa disseram, sob a minha recomendação, que "a Grécia é a Grécia e o que nós fazíamos pela Grécia não podíamos fazer pelos outros". E os outros eram Portugal, a Irlanda e Espanha. Eu estava a lutar contra o que estava a acontecer. O facto é que, apesar de os países dizerem que a Grécia era a Grécia e os outros países eram diferentes, uns dias depois de a decisão ser tomada - foi em julho que o Conselho Europeu decidiu aliviar a dívida da Grécia - tivemos, em agosto, a crise de Espanha e Itália e o BCE teve de se mobilizar, infelizmente porque a Itália e a Espanha estavam em causa, como estava Portugal e outros países.
A entrevista a Jean-Claude Trichet vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.