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A "fera" errou, pediu desculpa e toda a gente perdoou

Reuters/Carl Recine

United vence na Luz com golo de Rashford, depois de um erro de Svilar, o guarda-redes mais jovem a estrear-se na Champions. O recorde pertencia a Iker Casillas. Benfica regista três derrotas.

Minutos antes daquele segundo fatídico os homens vestidos de preto apertaram a juventude do guarda-redes belga com dois cantos com a mira apontada à baliza. Ele sacudiu as malandras. Depois, Rashford, um miúdo menos miúdo do que Svilar, testou novamente o guarda-redes de quem os adeptos querem gostar. Svilar agarrou, mas deu demasiados passos atrás e entrou na baliza. Golo. Ele pediu desculpa e os adeptos não o deixaram cair, aplaudindo. No final da partida, voltaria a dizer em bom português: "Desculpa". E a Luz desculpou outra vez. O Manchester United venceu o Benfica esta noite por 1-0.

A emoção começou antes do primeiro apito. Rui Vitória apostou em Svilar, Ruben Dias (ótima exibição) e Diogo Gonçalves. Juventude com fartura, num regresso ao 4-3-3 europeu. Mourinho, que ouviu mais aplausos do que Rui Vitória, não podia contar com Pogba, Zlatan, Carrick e Bailly. Mas havia muito talento com Matic, Mkhitaryan, Mata e Herrera.

E foi precisamente o rapaz que batia o recorde de Iker Casillas como o guarda-redes mais jovem a atuar na Liga dos Campeões o primeiro a acelerar o ritmo cardíaco destes 57 mil adeptos. Bola longa do United, Svilar correu (é rápido, o miúdo!) e mergulhou em peixinho para cortar de cabeça. Podia ter ido com o pé, mas preferiu estilo, emoção. Foi mais ou menos como aquele salto de Marcelo, ex-Tirsense, com a camisola do Benfica.

Grimaldo ia mostrando-se impecável com a bola no pé, com as aventuras do costume. Foi ele que inventou, tirando vários rivais do caminho, uma jogada para Salvio tentar finalizar. O argentino, que na véspera dissera que não tinha medo de nada, ainda não saberia que não festejaria nenhum golo esta noite. Diogo Gonçalves, idem: mostrava-se e tocava.

O Benfica entrou melhor. Essa boa imagem durou até à meia hora de jogo. Depois entraram em ação Matic, Herrera e Mata. O espanhol anda onde quer, enquanto o sérvio é dono do jogo. Controla tudo, qual guarda-noturno. Rashford melhorou a equipa quando foi para a direita, acalmando as ideias de Grimaldo.

Pizzi e Filipe Augusto davam pouco ao futebol da equipa da casa, e estavam longe dos dois médios do United. Iam à vez, deixando os rivais jogar de frente para o jogo, sossegados. É mais ou menos como alguém que quer ir ao banho no mar e volta para trás sempre que a água lhe toca nos pés. Fica difícil.

Rashford ia mexendo, Lukaku tinha pouco jogo e Mkhitaryan navegava em águas com pouco espaço. O United estava interessado num ritmo baixo, sabendo que sabe defender. Essa seria, aliás, uma das pérolas de José Mourinho na flash, dizendo que "parece um criminoso" porque a sua equipa defende bem.

Ainda que as equipas quisessem coisas diferentes, com ideias diferentes (ou falta delas), os números ajudam a perceber quem mandou no meio campo neste primeiro tempo:

Fejsa: 9 passes (64% acerto no passe)
Pizzi: 12 (70%)
Augusto: 9 (64%)

Matic: 39 (86%)
Herrera: 40 (87%)
Mata: 26 (92%)
Mkhitaryan: 17 (65%)

Os ingleses tiveram mais bola e cuidaram melhor dela. Na segunda parte o Benfica até entrou bem, mas estaria à mercê deste United, funcionando apenas em contra-ataques normalmente mal desenhados, incentivados pela gritaria de um público impaciente que quer é ir para a frente. Bomba de Rashford, segurou à segunda Svilar. A Luz aplaude. Esta gente quer gostar do garoto.

Aos 65', chegou o tal momento que descrevemos no arranque deste texto. Svilar errou, pediu desculpa e os meninos de Mourinho festejaram aquele que seria o único golo da partida. O ritmo baixou ainda mais. Não foi um jogo muito sedutor, valeu pelo talento de Mata, Matic e companhia, que tratam a bola com respeito. Tal como Blind, um bom sócio com ideias trazidas na mala desde os tempos do Ajax.

Rui Vitória tentaria mudar alguma coisa, com as entradas de Jonas, Zivkovic e Cervi. Mas nada mudaria mesmo, porque é uma equipa sem energia mental (parece), com um jogo posicional deficiente, sem movimentos dignos de alimentar a boca com saliva. Douglas, convém registar, passou mal, embora tenha levado uma ou outra vez os colegas para a frente. Primeiro com Rashford, depois Martial. Mourinho foi mauzinho...

A quinze minutos do apito final os juniores do Manchester United, liderados por Nicky Butt, da class of 92, abandonaram as bancadas (empataram com SLB na Youth League por 2-2). Já quase nada haveria para ver. Bom, só mais duas coisas mesmo: a expulsão de Luisão e a conversa entre Lukaku e Svilar no fim.

O guarda-redes foi acarinhado por toda a gente e levou um sermão (dos bons) de Lukaku, como quem diz para levantar a cabeça, porque é novo. Foi bom de ver. Rui Vitória garantiu que jogará no próximo jogo ("Quase não tem pelos na cara, mas tem mãos para isto"). Quanto a José Mourinho, deixou uma ideia para o futuro: "Este miúdo é fera" e é bom que "o presidente prepare uma mala grande", pois pagarão muito por ele.