Economia

"Um ministro das Finanças devia ser mais rigoroso"

Orlando Almeida/Global Imagens

Economista e ex-ministro do PS, Daniel Bessa critica o aumento da dívida, as cativações e a reposição de rendimentos. Diz que parte do dinheiro que é dado à função pública deveria ir para a floresta.

Otimista ou conservador. Realista ou eleitoralista. Os adjetivos dependem sempre do ângulo de abordagem e de quem analisa mais um Orçamento do Estado. Mário Centeno promete alívio fiscal, aumentos de pensões e uma das maiores reduções de dívida pública dos últimos anos. O país vai continuar a crescer em 2018, mas menos. Daniel Bessa diz que com números destes levaria o défice a zeros. Economista de formação, é professor na Porto Business School. Foi ministro da Economia do Governo de António Guterres e é uma das vozes mais independentes e mais respeitadas do país em matérias económicas.

Disse que a elite não é capaz de assumir o problema da dívida pública de forma frontal. Não é isso que o Governo vai fazer quando promete a maior redução de dívida pública dos últimos 19 anos?

Vou começar da pior maneira possível. Talvez não tenha tido oportunidade de pensar nisso ao extremo, mas se há coisa que não vai diminuir em 2018 é a dívida, vai subir. Vamos ter um défice de 1% do PIB, são 1700 milhões de euros que vai ser preciso ir buscar ao mercado. Há operações que o Governo pode ter de fazer, não sei se fará alguma na CGD, que aumentará a dívida. Mas o que vai diminuir é o peso da dívida no PIB, e eu acredito nisso. Já reduziu, encostou aos 130% em 2016, vai cair para os 126% no final deste ano, e em 2018 vai ser menos. O peso da dívida no PIB vai diminuir, mas lá está: o ministro das Finanças talvez pudesse ser mais rigoroso quando fala destas coisas. Eu não sou ministro das Finanças, mas, por exemplo, nas minhas aulas insisto em levar os alunos a serem rigorosos e a distinguirem estas pequenas coisas. Dívida é uma coisa, o peso no PIB é outra. É bom que desça o peso no PIB, do meu ponto de vista era bom que a dívida não subisse. Mas vai subir.

Como é que isso se faria?

A única maneira de a dívida não crescer era levar o défice a zero. Depois há aquelas operações que não contam para o défice, mas contam para a dívida. Todos assistimos à capitalização da CGD, o Estado vai ter de ir buscar aquele dinheiro, portanto vai contar para a dívida. A dívida é o que é: se se vai ao mercado buscar o dinheiro, conta para a dívida; para o défice, umas vezes conta, outras vezes não. Acho que é o ponto de maior reparo no OE. As coisas estão a correr bem na economia portuguesa, o Estado português está a beneficiar de um crescimento com que não contava, está a beneficiar, e bem, da descida de taxas de juro. Se fosse comigo, nunca fui dono disto tudo [DDT], nem serei, mas se me visse metido numa equipa de trabalho sobre estas coisas, recomendaria que esses ganhos - porque o PIB cresce mais e a receita dos impostos crescem mais e os juros estão a descer - não fossem gastos na totalidade. Não sei se o Governo está muito contente e os partidos que os apoiam também, mas o Governo há três meses não pensava gastar este dinheiro.

Crescimento esse que pode ter um arrefecimento, segundo as previsões macroeconómicas que o Governo traçou para o ano. Está preocupado com esse arrefecimento?

Em 2017, as coisas estão a correr muito bem. Esse é outro dos problemas com a nossa inteligência e com a nossa elite. Há um crescimento de quase 3% ao ano, que é o que se considera como sustentável. Não sei se estaremos em condições de aspirar a isso durante muito tempo. A Europa toda não está nisso. Mesmo os EUA, que já estiveram bem acima disso, têm dificuldade em estarem encostados aos 3%. Este ano, com os nossos 2,6% é um ano provavelmente excecional. Estar a criar despesa permanente com base em receitas criadas num ano excecional não me parece bom princípio. É um bocadinho imprudente.

Quando diz que o Governo não devia gastar toda a folga, está a pensar no alívio fiscal que acontece no caso do IRS? Não se devia ir tão longe nesta reposição de rendimentos?

Isso é a pergunta óbvia. Milagres ninguém faz. Portanto, se eu me propunha a gastar menos mil milhões, evidentemente que algumas destas boas ações não podiam ser praticadas, ponto final. Eu alquimista não sou, otimista posso ser.

A entrevista a Daniel Bessa vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.