Economia

"Crescimento deste ano não se repete. É imprudente gastar o dinheiro todo"

Orlando Almeida/Global Imagens

Economista e ex-ministro do PS, Daniel Bessa critica o aumento da dívida, as cativações e a reposição de rendimentos. Diz que parte do dinheiro que é dado à função pública deveria ir para a floresta.

Otimista ou conservador. Realista ou eleitoralista. Os adjetivos dependem sempre do ângulo de abordagem e de quem analisa mais um Orçamento do Estado. Mário Centeno promete alívio fiscal, aumentos de pensões e uma das maiores reduções de dívida pública dos últimos anos. O país vai continuar a crescer em 2018, mas menos. Daniel Bessa diz que com números destes levaria o défice a zeros. Economista de formação, é professor na Porto Business School. Foi ministro da Economia do Governo de António Guterres e é uma das vozes mais independentes e mais respeitadas do país em matérias económicas.

Segundo as previsões macroeconómicas que o Governo traçou para o ano, o crescimento pode ter um arrefecimento. Está preocupado com esse arrefecimento?

Em 2017, as coisas estão a correr muito bem. Esse é outro dos problemas com a nossa inteligência e com a nossa elite. Há um crescimento de quase 3% ao ano, que é o que se considera como sustentável. Não sei se estaremos em condições de aspirar a isso durante muito tempo. A Europa toda não está nisso. Mesmo os EUA, que já estiveram bem acima disso, têm dificuldade em estarem encostados aos 3%. Este ano, com os nossos 2,6% é um ano provavelmente excecional. Estar a criar despesa permanente com base em receitas criadas num ano excecional não me parece bom princípio. É um bocadinho imprudente.

Quando diz que o Governo não devia gastar toda a folga, está a pensar no alívio fiscal que acontece no caso do IRS? Não se devia ir tão longe nesta reposição de rendimentos?

Isso é a pergunta óbvia. Milagres ninguém faz. Portanto, se eu me propunha a gastar menos mil milhões, evidentemente que algumas destas boas ações não podiam ser praticadas, ponto final. Eu alquimista não sou, otimista posso ser.

E o Orçamento do Estado (OE) para 2018 é realista ou é eleitoralista, como alertou o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa?

Habituámo-nos a olhar para o Presidente como uma pessoa que vem emergindo com um sentido imenso de responsabilidade. A política dos afetos e das selfies e dos beijinhos, que alguns criticam, acabou por dar à sua opinião uma autoridade que hoje, acho, todos reconhecemos. O Presidente estava, e está, preocupado com... o OE, porque há aqui uns pinguinhos de eleitoralismo. Poderá não ser outra coisa, eleitoralista é e ainda estamos em 2017. Algumas das medidas que se vão tomar em 2018 destinam a produzir a totalidade dos efeitos em 2019. Estamos a pensar, por exemplo, nas progressões que são descongeladas, e eu diria que muito bem. O que mais me incomoda neste descongelamento é que vai ser geral, porque o Estado depois não consegue fazer avaliação de desempenho nenhuma.

Portanto, não é por mérito...

O mérito acabou. Quando houver um funcionário público que por alguma razão não se veja promovido, vai cair o Carmo e a Trindade. Vai ser geral, e desse ponto de vista incomoda-me um bocadinho. Deixando esse aspeto, que não é pequeno, a progressão faz parte da vida e, portanto, estava congelada num tempo de extrema dificuldade. Não sou dos que acham que foi tudo mal feito e que é preciso reverter tudo. Foi congelado, a seu tempo, e muito bem. Agora vai ser descongelado, porque é tempo de descongelar, e muito bem de novo. Mas os aumentos salariais ligados a essa progressão só vão ser pagos a 33% neste ano. Neste ano a pessoa pode ser promovida, mas os outros 66% só entram em dezembro de 2019.

A entrevista a Daniel Bessa vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.