Economia

"O mérito na função pública acabou"

Orlando Almeida/Global Imagens

Economista e ex-ministro do PS, Daniel Bessa critica o aumento da dívida, as cativações e a reposição de rendimentos. Diz que parte do dinheiro que é dado à função pública deveria ir para a floresta.

Otimista ou conservador. Realista ou eleitoralista. Os adjetivos dependem sempre do ângulo de abordagem e de quem analisa mais um Orçamento do Estado. Mário Centeno promete alívio fiscal, aumentos de pensões e uma das maiores reduções de dívida pública dos últimos anos. O país vai continuar a crescer em 2018, mas menos. Daniel Bessa diz que com números destes levaria o défice a zeros. Economista de formação, é professor na Porto Business School. Foi ministro da Economia do Governo de António Guterres e é uma das vozes mais independentes e mais respeitadas do país em matérias económicas.

E o Orçamento do Estado (OE) para 2018 é realista ou é eleitoralista, como alertou o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa?

Habituámo-nos a olhar para o Presidente como uma pessoa que vem emergindo com um sentido imenso de responsabilidade. A política dos afetos e das selfies e dos beijinhos, que alguns criticam, acabou por dar à sua opinião uma autoridade que hoje, acho, todos reconhecemos. O Presidente estava, e está, preocupado com... o OE, porque há aqui uns pinguinhos de eleitoralismo. Poderá não ser outra coisa, eleitoralista é e ainda estamos em 2017. Algumas das medidas que se vão tomar em 2018 destinam a produzir a totalidade dos efeitos em 2019. Estamos a pensar, por exemplo, nas progressões que são descongeladas, e eu diria que muito bem. O que me mais me incomoda neste descongelamento é que vai ser geral, porque o Estado depois não consegue fazer avaliação de desempenho nenhuma.

Portanto, não é por mérito...

O mérito acabou. Quando houver um funcionário público que por alguma razão não se veja promovido, vai cair o Carmo e a Trindade. Vai ser geral, e desse ponto de vista incomoda-me um bocadinho. Deixando esse aspeto, que não é pequeno, a progressão faz parte da vida e, portanto, estava congelada num tempo de extrema dificuldade. Não sou dos que acham que foi tudo mal feito e que é preciso reverter tudo. Foi congelado, a seu tempo, e muito bem. Agora vai ser descongelado, porque é tempo de descongelar, e muito bem de novo. Mas os aumentos salariais ligados a essa progressão só vão ser pagos a 33% neste ano. Neste ano a pessoa pode ser promovida, mas os outros 66% só entram em dezembro de 2019.

Do ponto de vista das empresas e do investimento, como é que analisa o OE para 2018?

As pessoas ligadas ao mundo empresarial mostram-se desanimadas.

Acha que sim?

Sobre isso não tenho dúvida nenhuma, agora não sei bem é a razão da surpresa.

Desanimadas com o OE?

Sim, mas também não podem esperar outra coisa. Esta conversa de ser ou não amigo das empresas nem sempre está bem colocada. Acho que não faz sentido apoiar uma empresa por apoiar. O dinheiro que se injeta nas empresas, e os fundos da União Europeia, serve para as empresas crescerem, criarem postos de trabalho, pagarem salários, pagarem impostos. As empresas são instrumentais. E quando não são, estamos mal. Transformam-se, às vezes, em casos de polícia e se não chegam a casos de polícia são uma coisa deplorável se não servirem para criar empregos, para pagar impostos. É para isso que servem as empresas.

O que está a dizer é que este Governo, não sendo amigo das empresas, não é amigo dos portugueses?

Ser amigo tem muitas exigências. Há aquilo que as pessoas gostam de ouvir, muitas vezes equivocadas. Acho que um dos equívocos maiores da esquerda é dar às pessoas o que elas querem já hoje, sem o mínimo sentido de futuro e de prudência. Desse ponto de vista, penalizar as empresas é não ser amigo dos portugueses.

A entrevista a Daniel Bessa vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.