Economia

Porque não desce o IRC? São escolhas, diz o Governo

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, analisa o Orçamento do Estado para 2018 e reage às criticas de falta de força ou peso político e antecipa a visão para a segunda edição da Web Summit.

Na semana passada, o economista Daniel Bessa disse que o crescimento deste ano não irá repetir-se - o governo prevê no próximo ano uma taxa de crescimento abaixo da prevista para 2017 - e disse que não é prudente o governo gastar o dinheiro todo. O senhor garantiu que o crescimento é sustentável, mas o governo admite um crescimento mais baixo em 2018...

Se fosse um crescimento baseado num aumento dos gastos públicos ou num aumento do consumo, poderíamos dizer que era estimulado no curto prazo, mas que não é sustentável no médio longo prazo. Mas este crescimento acelerou muito com a aceleração das exportações e do investimento, com apoio a nível do consumo, que tem um peso grande no PIB. Se tivéssemos tido um estímulo às contas públicas muito forte e uma política expansionista muito forte que não fosse sustentável, a prazo podíamos ter uma retração e estávamos agora a acelerar o crescimento para depois desacelerar. Fizemos este crescimento ao mesmo tempo que estávamos a reduzir o défice. E reduzimos o défice de mais de 4%, neste ano prevemos que fique nos 1,4%. O que não fizemos foi uma ideia de que vamos acelerar a fundo na redução do défice e com isso travar a fundo na economia. É isso que é a inversão da política de austeridade. Ficámos sempre melhor do que as previsões, o que não foi verdade nos anos anteriores.

Não há nenhuma imprudência na reposição de rendimentos?

Quando temos o défice mais baixo da democracia, não estamos a descurar a consolidação orçamental. O que não estamos é a ter uma política de austeridade contracionista, estamos a ter uma política neutra, moderada, não estamos a ter uma política expansionista. É verdade que o país tem um problema de endividamento, mas também tem um problema de desemprego. Neste momento, uma travagem do crescimento para concentrar todos os esforços no combate ao défice seria negativa, iria manter o desemprego e provavelmente pessoas a sair do país, uma das coisas mais importantes que conseguimos estancar. E é bom relembrar duas coisas: neste ano e no próximo, em conjunto, vamos ter uma redução do peso da dívida no PIB de quase sete pontos percentuais, e eu convido essas pessoas a encontrar no passado períodos em que tenha havido reduções do endividamento tão forte. Mas a verdade é que essa redução vem de termos saldos primários positivos e do esforço de consolidação que foi feito, mas vem também da aceleração do crescimento económico que obviamente reduz os rácios de endividamento. A pior coisa que aconteceu em Portugal em termos de sustentabilidade das contas públicas foi a saída de quase meio milhão de jovem qualificados porque reduziu muito o nosso PIB potencial. A dívida continuava cá, mas o PIB, o rendimento e a capacidade de produção do país para o pagar estavam a sair e é isso que infletimos. É por isso que as agências de rating reconhecem que Portugal está num caminho de sustentabilidade mais sólido. Quando pusemos uma meta de crescimento de 1,8% houve muitas instituições internacionais e nacionais que estavam a dizer que o crescimento ia estar abaixo disso. Neste momento, as mesmas instituições estão a achar que 2,2% é um crescimento realista.

Para 2018 é otimista ou realista?

O que temos de colocar nas perspetivas de crescimento quando se está a fazer um orçamento é uma perspetiva prudente e foi isso que colocámos no ano passado. Os resultados económicos mostram que era prudente. Temos é de trabalhar - o governo, as empresas, a sociedade, os trabalhadores para superar outra vez esta meta dos 2,2. O que não temos é de pôr uma meta de crescimento muito elevado e depois estar a fazer previsões do crescimento das receitas muito otimistas para estar a fazer correções ao longo do ano e orçamentos suplementares por termos previsões muito otimistas.

Falando nesses 2,2% para 2018, o governo antecipa um crescimento de 40,4% no investimento público. Essa previsão é prudente?

A questão do investimento público... teve uma grande baixa no período de ajustamento, não foi possível logo quando entrámos repor o crescimento do investimento porque o investimento público requer abertura de concursos, mobilização de fundos estruturais e seria um desperdício ter os fundos estruturais e fazê-lo com base em pura despesa pública. Demorou algum tempo a preparar e neste momento algumas das obras adiadas poderão avançar, são obras que vão reforçar a competitividade da economia portuguesa. Saliento o empenho grande na ferrovia, mas há também obras em portos muito ligadas à competitividade, ao transporte de mercadorias, ao reforçar a posição portuguesa como logístico e são obras que vão garantir maior competitividade. Não no próximo ano, não no próximo mês, mas no futuro. E é nesse sentido que temos trabalhado no Ministério da Economia. Estamos a fazer reformas estruturais a nível do mercado de capital, e o programa Capitalizar tem tudo que ver com isso. Tem uma face que se vê mais no curto prazo com aumento de financiamento, melhoria das condições de financiamento das empresas e que foi muito importante para o relançamento do investimento. Tem as linhas que vamos lançar, que vão alargar os prazos de financiamento, que são muito importantes para as empresas. Um dos problemas antes da crise foram as empresas que tinham investimentos, que teriam retorno razoável ao fim de seis, oito anos, terem-se financiado com base em crédito bancário a dois, três anos e que, com a crise, foram interrompidos e criaram grandes problemas financeiros em empresas que não tinham razões para ter esses problemas. O que estamos a fazer, de facto, é trabalhar no financiamento, mas trabalhamos também na parte fiscal, facilitamos e melhoramos a fiscalidade das empresas que investem com base em capitais próprios, simplificamos os mecanismos pelos quais os sócios das empresas podem transformar créditos que têm às empresas em capitais próprios e nesse sentido estamos a criar um ambiente mais saudável a nível da capitalização das empresas. Trabalhamos também na reestruturação empresarial.

Falando de empresas, porque é que o IRC não baixa? É por causa do BE e do PCP?

Centrar as necessidades das empresas apenas no IRC é muito reducionista. O IRC não baixa como não baixa o conjunto de outros impostos porque estamos num programa de consolidação orçamental e isto é o que as pessoas têm de perceber. Se houve uma escolha por reduzir primeiro impostos que tinham aumentado durante a crise, nomeadamente sobre o trabalho, foi uma escolha. Agora estes também pesam na competitividade das empresas. Não é verdade que isso não favoreça as empresas, favorece as empresas, favorece os trabalhadores, favorece especialmente as empresas que criam mais emprego. Podemos ter essa discussão mas de facto foi esse o sentido. Para além disso, no programa Capitalizar, quando fizemos o mecanismo de remuneração convencional do capital social da empresa, baixamos o IRC para as empresas que investem com capitais próprios. Neste momento não podemos baixar todos os impostos.

A entrevista a Manuel Caldeira Cabral vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.