Sociedade

O barulho das máquinas que salvaram um homem das cinzas

Quando as chamas chegaram às portas da Movicarvalho não bateram nem tocaram à campainha. Entrou pela fábrica adentro, sem pedir a licença ninguém.

Nem os funcionários, que foram todos a correr para lá, para tentar combater o fogo, conseguiram acalmar a vontade daquelas labaredas infernais.

"Nunca nos passou pela cabeça que a Movicarvalho fosse arder". Um lamento seguido de um suspiro. É a única maneira que Paulo Carvalho, que há 24 anos fundou esta empresa de fabrico de móveis na Lousã, encontra para expressar o que aconteceu.

O edifício onde onde produziam os móveis que vendem um pouco para todo o lado - desde Coimbra a Lisboa, até à França e à Bélgica - ardeu em menos de três tempos, nos incêndios de 15 de outubro.

"Não se aproveita nada. Foi pavilhão, foi máquinas, foi tudo", conta Paulo. "Só não perdemos a força, o que foi o mais importante".

Com a ajuda da câmara municipal, Paulo conseguiu arranjar um novo espaço para reinstalar a empresa, um antigo armazém às portas da Lousã. Vai poder lá ficar sem ter de pagar a renda durante um ano - seis meses cedidos pela proprietária e outros seis oferecidos pela autarquia.

Quem lá entra vê tábuas, tabuinhas e madeiras de toda a espécie. Como quem pede desculpa por ter a casa desarrumada, Paulo comenta "é assim uma fábrica improvisada, sem grande jeito".

A única coisa que Paulo e os 17 funcionários da empresa querem agora é voltar ao trabalho e não deixar nenhum cliente ficar mal.

"Temos de começar a recuperar as encomendas que tínhamos, tentar fazer o máximo que podemos", diz Paulo, "fazemos cozinhas, fazemos quartos, portas, janelas, tudo! Tudo o que entra dentro da casa, a gente transforma nisso a madeira".

"Tínhamos lá estas portas na fábrica prontas para trocar. Só que depois aquilo ardeu... Olhe, tivemos que fazer outras", contam Otávio e Fernando, os dois funcionários que estão a fechar a fábrica esta noite.

O drama dos incêndios pode ter obrigada Paulo a começar tudo de novo, mas mostrou-lhe que o lado mais humano das pessoas. Foram vários aqueles, depois de ouvirem falar sobre a fábrica de móveis que ardera, nas notícias, lhe ofereceram máquinas para poder voltar a construir móveis.

Gestos que tocaram Paulo, que faz questão de ir pessoalmente buscar cada maquinaria doada, como forma de agradecimento.

Apesar de todo o apoio, nem todos os momentos são bons. Há dias bons, dias maus. "Às vezes a gente acorda, passado um bocado desanima, nem tem força para trabalhar. Pensamos: "o que é que andamos aqui a fazer?". Mas agora já começamos a ouvir o barulho das máquinas... Já começa a melhorar. Já começa a melhorar".