Bagão Félix, comentador da TSF, considera que a maior parte da receita fiscal resulta de estabilizadores automáticos: se economia cresce, há mais dinheiro e consumo, a receita fiscal aumenta.
No seu espaço habitual de comentário na TSF, às quartas-feiras, António Bagão Félix explicou o aumento da carga fiscal. "A receita arrecadada cresceu mais do que a riqueza criada." Bagão Félix diz ainda que esquerda e direita defendem o oposto do que defendiam antes: "É a política real e o pragmatismo com que se está na política, pode defender-se uma coisa e o seu contrário consoante a situação em que se está".
"O conceito de carga fiscal não é unívoco, ele pretende medir o esforço que a sociedade em geral paga para beneficiar de serviços prestados pelo Estado", começa por explicar à TSF. "A carga fiscal em 2017 atingiu o valor máximo, um aumento de 3,200 milhões de euros. Se quiser de uma maneira mais sintética, isto significa que nos primeiros 128 dias do ano nós trabalhamos para alimentar o Estado. Até ao dia 8 de maio estamos a trabalhar para o Estado."
E continua: "A questão que se coloca no plano político é porque é que esta carga aumentou e se deveria ter aumentado. Temos de comparar por um lado o aumento da receita de impostos, que foi de 5% no ano passado, e a riqueza (o PIB), que cresceu 4,1%. Ou seja, a receita arrecadada cresceu mais do que a riqueza criada. Houve um aumento da carga fiscal. Nesse sentido, quer o Governo, quer a oposição ambos têm uma parte de razão. Se formos descascar estes números a maior parte desta receita fiscal resulta daquilo que nós chamamos em economês os estabilizadores automáticos. Isto é, se a economia cresce, se há mais emprego, se há mais rendimento disponível, se há mais consumo, evidentemente há mais receita fiscal. Esta é a principal razão do aumento da arrecadação tributária. Mas, como a receita aumentou mais do que o produto, poderá haver duas razões adicionais: maior eficiência tributária, que é positivo -- pôr a pagar quem não paga para quem paga não pagar tanto --, e depois tem a ver com incidência fiscal. Isso nós sabemos que foi decidido nos impostos indiretos, no imposto sobre produtos petrolíferos, gasóleo, gasolina e noutros. Aqui há uma aspeto interessantíssimo: nos impostos indiretos há aquilo que se pode chamar uma certa sedação ou anestesia da consciência fiscal. Não se sente tanto o seu pagamento. Sentem-se menos, mas estão lá".
Bagão Félix censura ainda os desvios ideológicos da esquerda e direita. "A esquerda sente-se agora confortável com o que sempre contestou. A esquerda entendeu sempre que a haver um aumento fiscal deve ser nos impostos diretos, onde pode haver maior progressividade, em função dos rendimentos, e até porque os impostos indiretos não diferenciam as classes sociais, não diferenciam pobres e ricos. Esta é a tese da esquerda, mas pelos vistos agora está a aceitar. Pelo contrário, a direita sempre se pautou por uma tributação de impostos diretos, que fosse mais amiga do emprego, do investimento, da poupança, argumentando que os impostos devem ser sobretudo pela via do consumo e não pela via do rendimento. Ou seja, são mais favoráveis ao aumento da tributação indireta, via consumo. Deveriam de algum modo aplaudir, mas acontece que estão a criticar..."
Rematando, Bagão Félix considera que isto é "a política real e o pragmatismo com que se etá na política", onde se "pode defender uma coisa e o seu contrário consoante a situação em que se está".