Presidente da Câmara de Comércio e Indústria, Bruno Bobone, é o convidado desta semana d' A Vida do Dinheiro.
Salários dignos, justiça económica e uma aposta convicta na economia do mar. Eis as três prioridades da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, com 184 anos de história e mais de 1.000 empresas associadas por todo o país. A Câmara está presente em 29 países e continua a ter como foco principal o crescimento, o desenvolvimento e a internacionalização das empresas portuguesas. Os desafios são mais do que muitos e os obstáculos recentes provocados pela política norte-americana só vêm adensar ainda mais a complexidade deste trabalho.
Encontrar novos mercados, ajudar as empresas portuguesas a serem mais competitivas, cá dentro e lá fora. Objetivos que estão sempre em cima da mesa do nosso convidado desta semana. Viveu em Moçambique até aos 25 anos, formou-se em Gestão, já em Lisboa, e um dos principais empregos, o primeiro que teve, foi na Vista Alegre. É presidente do Conselho de Administração do grupo Pinto Basto e presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Bruno Bobone é o convidado desta semana da Vida do Dinheiro.
Salários dignos. Vamos começar por aí. Esta foi uma das prioridades que definiu. Porque é que em 2018, em Portugal, continuamos a discutir a necessidade de termos salários dignos?
Porque não os temos. Nós em Portugal continuamos a ter uma política de discussão, dentro das empresas, dentro das organizações, em que estamos sempre a discutir o mínimo indispensável e verdadeiramente o que deveríamos estar a discutir é o que é minimamente aceitável para que uma pessoa tenha uma vida digna.
Isso não depende em grande medida das empresas?
Depende de todos os intervenientes nas empresas. As empresas são compostas por vários intervenientes. Têm os donos das empresas, a gestão das empresas e têm os trabalhados. E todos em conjunto deveriam formar uma equipa que se deveria preocupar com a maximização da rentabilidade daquela organização e, em linha com isso, preocupar-se também com a distribuição dessa riqueza que é produzida. E aumentando a riqueza da empresa é sempre possível melhorar a sua distribuição da sua riqueza. E é nisso que era fundamental que houvesse o debate. Não tanto sobre se deveremos ter um determinado salário mínimo, que é sempre um salário que não tem qualquer dignidade. Ninguém com o valor do salário mínimo atual pode viver minimamente bem, não pode cuidar da sua casa, não pode cuidar da sua família, não pode dar qualquer expectativa de desenvolvimento de crescimento às pessoas que dele dependem ou que com ele convivem e, portanto, era fundamental que nos preocupássemos, cada vez mais, em conseguir entregar às pessoas esse mínimo razoável de vida, que não tem nada a ver com o salário mínimo e que é aquilo que defino como salário digno. É fundamental compreender que as empresas foram criadas para melhorar o desenvolvimento económico, para melhorar a forma de criar riqueza e junta os detentores do capital, os detentores das competências de gestão e os trabalhadores para que todos beneficiem dessa riqueza. Se, enquanto continuarmos a tratar as empresas como um campo de batalha a perda de capacidade de criação dessa riqueza é enorme, sobra pouco e há pouco para distribuir.
De quem é essa responsabilidade? É dos sindicatos?
É sempre de todos. Em todas as circunstâncias nunca há condições para dizer que a culpa é de um dos lados. Os sindicatos, por um lado, continuam a manter a sua posição de luta política, muito menos preocupados verdadeiramente com a tal defesa de condição de vida dos trabalhadores, que poderia ser muito melhorada, mas, também as associações empresariais e os gestores continuam muito focados em combater essa posição dos sindicatos, que normalmente são quem lidera o debate, são sempre os sindicatos que lançam os temas para cima da mesa, e as associações patronais e as organizações de gestão, normalmente, reagem a esses desafios. E como o desafio é aumentar o salário mínimo concentram-se em garantir que não há o aumento do salário mínimo. Acho que é um erro de ambas as partes. Aquilo que é fundamental é que as pessoas compreendam que a empresa é um local de equipa, em que se tem de juntar todos os interesses, tem que se debater, tem que se criar as circunstâncias positivas para fazer dali uma boa organização, aumentar o rendimento, portanto temos de aumentar a produtividade, mas, depois, agarrar esse aumento de produtividade à distribuição da riqueza.
Deixe-me agarrar precisamente na palavra produtividade, ou na falta dela, este é um problema apenas dos trabalhadores ou é um problema do patronato?
É um problema de todas as partes. Porque, obviamente, todos são responsáveis, todos têm o problema. É um problema para os trabalhadores porque estes ao lutarem por condições específicas, defendidas pelos sindicatos, acabam por não estar a defender aquilo que seria benéfico para eles. Mantém-se uma cultura de que os empresários e os trabalhadores são praticamente campos opostos da mesma realidade. E isso não é verdade. Mas, para os empresários e para os gestores, o ter trabalhadores motivados é uma mais-valia enorme, porque, obviamente um trabalhador motivado produz mais, está mais disponível, defende melhor a empresa e, portanto, tudo isso são componentes de um aumento de produtividade e de um aumento de riqueza. E é isso que os empresários têm de conseguir da parte dos trabalhadores. Por outro lado, os trabalhadores têm de compreender que quanto melhor tratarem a empresa, quanto melhor tratarem a organização onde trabalham mais probabilidade têm de receber em retorno a compensação que é o salário digno. Mas não é só. É o respeito, são condições de vida completamente diferentes e, no fundo, uma situação de aumento de felicidade que é o que todos os homens procuram na sua vida. E com isso que nos deveríamos preocupar. Portanto é fundamental que se mude este paradigma que as empresas não são verdadeiramente campos de batalha, são estruturas preparadas para serem equipas e que têm de ser trabalhadas nesse sentido. É muito importante que os trabalhadores aumentem a produtividade, muito importante que os empresários promovam esse aumento de produtividade, mas garantindo que há uma redistribuição da riqueza criada, de uma forma justa, para que também haja benefício claro de quem contribui de forma clara para esse aumento de produtividade.
Admite que em Portugal ainda há muitos empresários com vistas curtas a esse nível? Ou seja, com um lado mais ganancioso do que propriamente preocupação em redistribuir o resultado dessa produtividade?
Penso que haverá em Portugal o mesmo que existe no mundo. Os empresários, muitas vezes, também estão a reagir a circunstâncias que são lançadas pelos próprios trabalhadores ou pelos sindicatos e, portanto, isto é uma mudança cultural que tem de partir de todos os lados. Não pode haver só uma parte a fazer isto. Isto tem de ser entendido, tem de ser mudado e tem de ser a realidade do dia-a-dia. Mas volto a dizer. O importante é ir à base. Se todos olharmos para o porquê de se ter criado a empresa, foi para reunir os recursos. Para que todos os recursos somados produzam mais. Ora, se nós juntarmos e produzirmos mais, depois o que temos de garantir é que haja uma distribuição justa. E aí o Estado também terá um papel, que é o de garantir que não vai haver um abuso de apropriação da riqueza criada.
Vamos então falar do Estado e, neste caso, do Governo, do executivo que está a negociar a concertação social um conjunto de alterações à legislação laboral. Acha que essas alterações podem contribuir para esse aumento de produtividade?
Não penso que possam contribuir porque estamos baseados ainda na tal perspetiva anterior. Estamos a tentar defender os mínimos indispensáveis dos trabalhadores, por um lado, mas não dando qualquer motivação para que haja um aumento de produtividade. Acho que o efeito em termos de empresas é praticamente nulo. Não digo que o acordo venha também estragar ou piorar dramaticamente o que existia. Também posso dizer que, curiosamente, num trabalho feito pela Câmara de Comércio perguntámos aos associados e aos empresários em geral quais eram as preocupações principais... Quais seriam as maiores dificuldades que eram criadas às empresas para o seu desenvolvimento, e o contrato coletivo de trabalho, a legislação do trabalho, não aparece nas três primeiras linhas. Em primeiro lugar vem a justiça económica, esse sim um grande drama para o desenvolvimento das empresas e da economia portuguesa. Essa é a grande mudança que é necessário fazer. Mais do que a legislação do trabalho.
Talvez tenha acabado de responder à próxima pergunta que era de que forma os partidos políticos e o poder político impedem, hoje em dia, uma maior competitividade da nossa economia...
Pelas vistas curtas de que me falavam imediatamente antes. Em Portugal, e provavelmente em muitos outros países, não há uma estratégia de desenvolvimento para o país. Não há um pensamento profundo sobre a sociedade que queremos criar, nem como qual o caminho para chegar a essa sociedade. Também é natural que não saibamos qual o caminho se não sabemos qual o destino. Mas, de qualquer forma, era fundamental fazer um debate alargado, nacional, para que todos compreendamos o que queremos como país, qual a condição fundamental para o nosso desenvolvimento, para o nosso crescimento, e depois desenhar um caminho. É claro que haverá sempre opiniões diferentes sobre o caminho a tomar. Mas, se todos soubermos para onde vamos é mais fácil haver um consenso entre todas as partes, para chegar a esse objetivo, do que se estivermos todos sem saber, de todo, qual é o nosso caminho. É muito mais fácil ter uma canoa com dois remadores a remar cada um para seu lado, se nenhum souber para onde se dirige, enquanto se soubermos para onde nos dirigimos a probabilidade de conseguir que os dois remem para o mesmo lado aumenta.
O que acabou de dizer reflete, de algum modo, o que temos visto e assistido em termos de gestão do país, com a chamada geringonça. Deixa alguma crítica a este modelo de gestão ou estarei a interpretar mal as suas palavras?
Não estava a falar da geringonça. Acho que a geringonça é uma solução que foi encontrada para gerir o país numas circunstâncias específicas, não havia uma solução governativa, esta era a única possível. A pessoa que está à frente do Governo teve a habilidade de a criar.
Tecnicamente havia outra, que era um Governo minoritário...
Menos eficiente, para todos os efeitos, o que não sei se seria melhor ou pior do que esta solução da geringonça. Acho que não há soluções, à partida, más e boas. O resultado do trabalho das soluções é que é importante. Mas, de qualquer maneira, acho que, neste momento, temos todos que reconhecer que as perspetivas negativas absolutas que estavam no princípio da geringonça não se verificaram mas, também, que estamos neste momento num momento perigosíssimo em que, se se começar a descambar, vamos prejudicar tudo o que foi conseguido até agora.
Há pouco referiu que não sabemos qual o nosso destino...
E aí a vista curta dos políticos. Cada vez mais gerem para as próximas eleições, gerem em função das opiniões públicas, daquilo que conseguem ver publicado, muitas vezes não-opiniões púbicas, são opiniões dos media, das informações que lhes aparecem, hoje em dia, das redes sociais, que ainda é mais complicado de perceber se é verdadeiramente generalizada ou se é a opinião de um grupo que movimenta a rede social numa determinada direção. E, portanto, acho que isso é o maior erro. Aliás, é muito curioso que, se verificarem, os políticos que não ligaram às sondagens e não geriram em função da opinião pública foram aqueles que foram mais reconhecidos e que mais ganharam ao longo dos tempos. Mas a tentação para ouvir a opinião pública é enorme e a falta de coragem, muitas vezes, de tomar as decisões que são corretas, em vez das que são boas, também é um grande dilema. Penso que esse é o grande drama.
Acha que falta coragem a António Costa, por exemplo?
Acho que falta coragem no nosso país. Acho que Portugal está marcado pelo medo. Acho que todos nós, hoje, vivemos com medo de arriscar e, por isso, sendo nós um país marítimo não temos verdadeiramente uma estrutura de armadores, de empresários do mar, significativa. Se formos a ver a Grécia tem uma história muito diferente da nossa e, portanto, nós, de facto, por razões várias, fomos habituados a ser protegidos pelo Estado, e isso retirou-nos a capacidade de arriscar. E fomos condicionados por isso, provavelmente a nossa cultura também ajuda a que gostemos de ter o nosso "paizinho" a tomar conta de nós e acho que essa é a grande mudança. Mas também tenho de dizer que esta crise que passámos teve um efeito muito positivo nessa matéria. Porque como o Estado deixou de ter possibilidade de ajudar as empresas, de ajudar as pessoas, todos nós tivemos de descobrir caminhos novos. E hoje em dia assistimos a um aparecimento de empresários, de todas as idades, com projetos extraordinários - fala-se muito nas start-ups, parece que é uma história de modernidade e que é uma nova ideia, a verdade é que a necessidade, porque não há emprego, porque não haviam soluções, ajudou muito a criar essa perspetiva de empresariado mais jovem, mais disponível. O que é uma grande mais-valia. Acho que a crise foi muito educativa para nós, para as nossas empresas. Aliás, na perspetiva da internacionalização verificámos exatamente o mesmo. A partir do momento em que as empresas não puderam viver em Portugal acabaram por se internacionalizar para procurar novos mercados. Sem o apoio do Estado. O Estado não deu qualquer apoio nessa matéria. E acabámos por ter, hoje em dia, empresas muito mais autónomas, muito mais fortes, e que resolveram o problema económico de Portugal. Não foi nem a Troika, nem o Governo, nem a Europa, foram as empresas o grande motor da mudança da economia portuguesa.
Já que fala de internacionalização vamos agora falar dos Estados Unidos. Donald Trump tem assumido um conjunto de políticas que podem ter consequências sérias para a economia mundial e, obviamente, para Portugal. Como é que as empresas portuguesas se devem preparar para o que aí vem?
As empresas portuguesas, mais até do que muitas outras, têm uma resiliência muito grande às dificuldades. Primeiro porque vêm de um mercado muito pequeno, ou seja, lançam-se na competição internacional sem condições, comparativamente com as restantes empresas. São empresas que só venceram porque têm, realmente, produtos muito acima da média e com qualidade extraordinária. Eu diria, "não tenham medo". Acho que o medo é aquilo que nos mata. O senhor Donald Trump está a fazer uma política que é importante para os Estados Unidos. Os Estados Unidos têm uma Balança de Pagamentos completamente desequilibrada e ele está a tentar resolver isso. Estou convencido que não é este caminho que lhe vai dar a solução mas, para as empresas portuguesas só basta trabalhar, continuar a insistir, e estamos perfeitamente capazes de continuar a fazer o nosso caminho.
Mas, no imediato, não antevê algumas consequências?
Reclamar em Bruxelas que a Europa faça contrapartidas de legislação que garanta que os Estados Unidos têm dor naquilo que tomaram de decisões, para que possam reverter aquelas que são mais importantes para nós.
Para clarificar, não antevê que venha daí "grande mal ao mundo" para as empresas portuguesas, sobretudo as exportadoras, em relação a estas decisões que Trump está a tomar?
Há um risco. Há matérias onde vai acontecer, aquelas onde forem efetivamente penalizadas. Acho que vão descobrir outros mercados para substituir e acho que têm de fazer uma força muito grande junto do Governo, da Comissão, para que ela possa, de facto, intervir a nosso favor. A Europa foi muito útil para nós, em termos de financiamento durante todos estes anos, mas nunca nos defendeu em termos estratégicos dos nossos interesses. E nós temos de conseguir fazer essa mudança e aí temos de trabalhar, mais uma vez. Mas não vale a pena estarmos com ilusões. Ou dependemos de nós ou não vai acontecer. Portanto, não tenham medo, vamos para a luta, vamos juntos, vamos tentar organizarmo-nos e fazer um bom resultado nessa matéria.
O Presidente da República, que reúne na próxima semana com o Presidente norte-americano, precisamente, este tema será, provavelmente, um a estar em cima da mesa, o que seria um ganho de causa para Portugal?
Que os produtos portugueses não estivessem dentro dos produtos que vão ser penalizados nas importações dos Estados Unidos. Tenho dúvida que aconteça. Acho que não é muito provável. O senhor Donald Trump é uma pessoa imprevisível. É um grande negociador, aliás, como o nosso primeiro-ministro, e portanto, eventualmente, pode sair dali alguma coisa que não estamos à espera. Como tem saído sempre. Vamos esperar e ver. Mas acho que temos de deixar de nos preocupar com aquilo que não está debaixo da nossa capacidade de controlo. Não vale a pena perder muito tempo a queixarmo-nos do que não somos capazes de fazer. O que temos é de descobrir é o que vamos fazer para mudar a realidade.
Considera que a diplomacia portuguesa está a fazer tudo o que pode, nesta matéria?
Acho que a diplomacia portuguesa tem vindo a desenvolver uma grande mudança na sua forma de estar. Como sabe, inclusivamente, a Câmara de Comércio estabeleceu um prémio para o diplomata económico do ano, que tem sido atribuído, todos os anos, ao diplomata que mais trabalho tem feito pela economia portuguesa. Acho que isso prova que há um esforço completamente diferente do que havia no passado, para ajudar. Acho que foi uma grande ideia, a ideia da diplomacia económica. Acho que é onde faz sentido que os nossos diplomatas evoluam. Acho que ainda há um caminho a fazer, mas acho que tem sido muito positivo.
Deixe-me voltar a uma das prioridades que elencou duramente a cerimónia de aniversário da Câmara, que tem a ver, precisamente, com a economia do mar. Já que estamos a falar dos Estados Unidos talvez o Atlântico nos possa inspirar sobre este assunto. O senhor dá o exemplo da prospeção de petróleo na zona de Aljezur. Sempre que se toca neste tema surgem, obviamente, receios, quer das populações, quer uma contestação muito grande por parte das organizações ambientalistas. A pergunta é se consegue compreender esses receios ou se eles são infundados?
Como disse Portugal é um país marcado pelo medo pelo que não posso deixar de compreender os receios, porque já estava à espera que houvesse receios. Acho que as pessoas devem pensar exatamente naquilo que se está a discutir. Temos um território marítimo com 1,7 milhões de quilómetros quadrados, estamos a candidatar-nos a ter uma gestão de um território na ordem dos 3,8 milhões quilómetros quadrados. Dá-nos a dimensão de um território superior à Índia e, portanto, o mar é aquilo que pode fazer a diferença e transformamo-nos de um pequeno país num enorme país. Não podemos abdicar disso. Por outro lado, temos uma potencial riqueza neste mar. É uma riqueza de um produto que hoje sabemos que tem características também negativas, porque tem poluição, porque é afeto ao ambiente. No entanto, sabemos também que não vamos poder viver sem nos próximos anos. Porque para fazermos a transição ainda vamos ter de continuar a ter. Nós não podemos, sistematicamente, abdicar das nossas riquezas para defender princípios morais válidos, sem que os outros que estão à nossa volta façam o mesmo. E nós acabamos sempre por ser prejudicados, não ganhar essa riqueza, não conseguimos, por não ter essa riqueza, investir na mudança e acabamos, sempre, por ser o último da fila.
O que devíamos fazer era explorar aquilo que haja, se houver, porque neste momento ainda estamos a fazer uma prospeção para saber o que lá há, mas, se houver devemos explorar o que lá há. E condicionar a sua utilização para que seja aplicada exatamente na mudança energética, para fazer uma transformação da utilização energética para uma energia limpa. Mas, ao mesmo tempo, um investimento enorme neste mar que temos, que pode, de facto, fazer a diferença na qualidade de vida dos portugueses. Há uma coisa que é importante e que os políticos ultimamente não olham com tanta firmeza. O objetivo de Portugal é dar boa qualidade de vida aos portugueses. E isso está sempre na terceira ou quarta linha dos interesses das várias entidades. Temos de por essa questão na primeira linha. Se há riqueza vamos olhar para ela, vamos explorá-la da melhor maneira possível, vamos condicionar a sua utilização, mas não vamos perdê-la. Já perdemos quando foi a questão da energia atómica, decidimos não ter porque achávamos que era perigoso. Tínhamos moralmente toda a razão, a verdade é que nos construíram uma central nuclear ao nosso lado, portanto, o risco que tentámos evitar tivemo-lo na mesma. E o preço da energia tiveram os espanhóis e nós não. Portanto prejudicamos o país sem benefício verdadeiramente daquilo que queríamos fazer. Não vamos repetir isto. Porque repetir isto é dar um tiro no pé. É voltar a prejudicar Portugal e voltar a prejudicar os portugueses. Porque não ter rendimento, não ter riqueza é aquilo que Portugal não pode continuar a permitir, é aquilo que nos dá má qualidade de vida.
Estamos a aproximarmo-nos da discussão em torno no último Orçamento de Estado desta legislatura. O que gostaria de ver escrito neste orçamento?
Há muita coisa que gostava de ver escrita neste Orçamento porque há muita coisa que tem de mudar no nosso país. Acho que o Orçamento tem de ter uma contenção, acho que o Orçamento tem de ser focado em recuperar as finanças do nosso país, mas acho que, também, tem de ser um Orçamento muito virado para o apoio da internacionalização da nossa economia. Portugal tem um mercado relativamente pequeno e a economia do mar ainda não vai ser no próximo Orçamento nada de mais significativo. E, portanto, temos de pensar que só vamos viver bem se usarmos o mercado mundial como a nossa fonte de receita. E aí acho que o Estado português tem de fazer um esforço muito maior. Acho que tem de dedicar mais tempo a apoiar as empresas portuguesas e a compreender como é que se pode apoiar as nossas empresas lá fora. Não precisamos que o Estado faça nada por nós. Precisamos que simplifique a forma de trabalhar e que atue nos mercados em que nós estamos para que não nos prejudiquem nesses mercados. E isso é uma coisa que o Estado português pode e deve fazer.
Este Governo surpreendeu-o, de alguma maneira? Pela positiva ou pela negativa?
Este Governo não me surpreendeu. Acho que este Governo tem grandes competências em determinadas matérias e tem uma ideologia muito marcada e estas duas condições estavam presentes desde o primeiro dia em que foi anunciado o Governo. Ou seja, acho que há grandes competências em determinadas matérias, e que estão a funcionar - inclusivamente o mar tem vindo a ser sujeito a algum trabalho positivo durante este tempo, tem havido outras questões que foram importantes. Acho que a postura face a Bruxelas teve uma evolução positiva, a cedência constante a Bruxelas não era, na minha perspetiva, uma mais-valia. Tudo o que são fatores de gasto para criar uma certa empatia e um certo reconhecimento acho que tem sido, francamente, menos positivo, e, graças a Deus, tem sido bastante controlado, e a nossa presença na Europa pode ter ajudado significativamente nisto. Acho que há coisas que foram bem feitas, acho que o país evoluiu. Acho que houve uma maior distribuição às pessoas e isso também é importante. Mas acho que muito foi também uma forma de passar a mensagem e aí houve uma habilidade grande do Governo em passar uma mensagem positiva. De fazer acreditar as pessoas de que estamos melhor. E isso foi motivador para que houvesse desenvolvimento económico.
Qual seria o quadro político ideal, na sua opinião, para a economia portuguesa pós 2019?
Um quadro de um Governo e de um Presidente que se entendessem e que pusessem em primeiro lugar na sua agenda a discussão estratégica do futuro do nosso país. Depois que conseguissem um acordo entre todos os participantes, no sentido de definirem qual o nosso objetivo, e que se deixasse a discussão política fundamentalmente pela forma de percorrer o caminho, mas não pondo em causa o caminho para chegar lá. E que tenhamos como objetivo o melhorar a qualidade de vida dos portugueses. Isso implica aumentar o potencial de criação de riqueza das empresas, significa um acompanhamento de todas as estruturas que podem criar rendimento, seja em Portugal, seja fora de Portugal, mas, também significa ter alguma contenção na forma de gerir o nosso Estado. O Estado continua muito pesado. Tem que haver uma reforma do Estado, tem que haver uma melhoria da gestão dos dinheiros públicos, tem que haver mais seriedade em muitas das áreas públicas. Mas tem de haver uma vontade de levar o país. Nós somos 10 milhões. Assim como disse, nas empresas, que se deixarmos de ser um campo de batalha e passarmos a ter uma equipa vamos mais longe, se pensarmos em Portugal da mesma maneira, deveríamos fazer o mesmo. Somos uma equipa. Podemos e devemos ter opiniões diferentes. Até porque é na diferença que sai o melhor resultado. Mas temos de ter um objetivo comum. Porque se Portugal tiver 10 milhões com um objetivo comum garanto-lhe que vamos lá chegar. E isso era aquilo que os partidos e os portugueses deveriam fazer.
Posso deduzir das suas palavras que preferia que não existisse uma nova geringonça depois de 2019?
Já disse e posso repetir. Não me importa qual é o Governo. Importa-me o resultado desse Governo. Acho que todos são bem-vindos à gestão desde que tenham o mesmo objetivo e colaborem para chegar lá. Se me disser que é mais provável com uma geringonça do que com outra solução. Não. Não é mais provável. Que é mais difícil gerir com uma geringonça. Que uma segunda geringonça é mais difícil de gerir que a primeira estamos certamente de acordo. Mas não estou preocupado em definir... Não quero fazer política. Porque acho que a política deve ser feita, em primeiro lugar, pela votação dos portugueses e que escolham aquilo que querem e que depois deve ser exigido pela sociedade civil aos Governos aquilo que têm de fazer. E se a sociedade civil for forte e for capaz de exigir os Governos podem ser o que forem porque vão fazer o que nós queremos.
Uma última pergunta. Porque pedem os vossos empresários, um novo mandato a Marcelo e, já agora, o que esperam desse segundo mandato, se existir?
Acreditamos que uma das questões que foi menos positiva, da parte deste Governo, foi a falta de estabilidade de medidas que estavam a ser tomadas em determinada linha de promoção e desenvolvimento do crescimento económico e que não foram mantidas. Por exemplo, a questão fiscal. Achamos que manter o Presidente da República neste momento, já com uma postura de que vai continuar, vai-nos dar uma mensagem de estabilidade, de continuidade, de desenvolvimento, de progresso, que achamos ser muito importante para conseguir convencer os nossos empresários a continuarem a apostar no nosso país, mas, também, para atrair novos investimentos ao nosso país. E poder desenvolver Portugal de uma maneira estável. Acho que o Presidente Marcelo tem feito um grande trabalho pelo nosso país. Tem sido um grande representante de Portugal. Tem defendido o que consideramos importante, sendo isso o defender o consenso entre os portugueses. Acho que, antes do Presidente Marcelo entrar havia uma divisão muito grande entre os portugueses. Acho que o seu grande mérito foi o de unir os portugueses em torno de uma representação que ele conseguiu fazer e muito bem.