Mais de 100 escritores de todo o mundo vão estar em Portugal nos próximos dias para discutir o "esplendor do conto". Lisboa recebe o Congresso Internacional do Conto em Inglês.
A diretora do Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa, confessa de imediato que não é escritora mas uma "leitora apaixonada" pelo conto. Teresa Cid é responsável pela organização do Congresso Internacional do Conto em Inglês, que regressa a Lisboa depois de 12 anos.
O congresso vai juntar em Lisboa mais de 100 escritores num "encontro de gente que gosta de Literatura" para discutir ao pormenor um estilo muitas vezes considerado o parente pobre. É para desconstruir esse preconceito que a Sociedade para o Estudo do Conto tem trabalhado ao longo de 30 anos de existência e organiza, pela segunda vez um encontro que decorre na Universidade de Lisboa entre 27 e 30 de junho.
São 30 anos para a Sociedade para o Estudo do Conto, 15 anos do Congresso Internacional do Conto em Inglês. São datas redondas para comemorar? Porquê em inglês?
Talvez por isso tenham insistido tanto para ser em Lisboa porque nós já tínhamos acolhido este congresso em 2006 e teve tanto sucesso a vinda de muitos escritores a Lisboa e aquilo que eles depois escreveram, o modo como Lisboa os inspirou para escreverem. Lembro-me de um escritor irlandês que esteve cá e que disse que estava com um bloqueio e começou a escrever ainda durante o congresso. O entusiasmo que a própria cidade e a experiência de estar em conjunto com muita gente a falar de uma forma literária pode trazer, é também muito interessante.
O inglês é a língua internacional que todos conhecemos. Há muita gente a escrever em inglês mesmo que não seja nativa de um país de língua inglesa e há muitos países de língua oficial inglesa. Há aqui uma grande variedade cultural mesmo no próprio domínio da língua. Por outro lado, o ser em inglês permite que se crie uma oportunidade de tradução de escritores que escrevem noutra língua e que podem assim ser mais divulgados no mundo internacional. Foi o que aconteceu em 2006 com alguns escritores portugueses mais jovens que agora são muito reconhecidos internacionalmente e espero que continue a acontecer agora. É um encontro de gente que gosta de Literatura.
Vão ter cerca de 100 escritores, outros 200 participantes. O que é que eles vão poder encontrar durante estes dias em Lisboa?
Primeiro vão poder encontrar-se uns com os outros e acho que essa é uma das grandes riquezas de qualquer congresso. É a pessoa poder estar cara a cara a falar, não é com facebooks, não é com essas novas modalidades. Portanto, há aqui assim uma dinâmica interpessoal que é muitíssimo interessante. Mas para além disso, vão estar a ser partilhados os contos dos escritores que estão cá. Por outro lado, mais ao nível académico, temos muita teorização sobre o conto, sobre antologias, discussão de aspetos culturais, de aspetos sociais. Vamos ter escritores de várias origens, que vivem experiências de vida às vezes muito complicadas e até que têm dificuldades em chegar cá, conseguir os vistos.
Há aqui uma grande variedade de oportunidades de reflexão sobre teoria literária, sobre a prática da escrita mas também de ouvir os próprios cultores.
Houve inscrições para o congresso mas se alguém ainda se quiser inscrever no momento em que o congresso está a começar, não diremos que não. Mas também queria dizer que alguém que queria vir ouvir algum escritor ou alguma comunicação e desde que haja lugar na sala, nós não vamos fechar a porta a ninguém. Está aberto ao público. E essa foi uma das coisas que nos fez acolher o congresso em 2006 e agora voltar a acolhê-lo. É muito interessante ter um número elevado de escritores a conviver formal e informalmente com os seus leitores e por isso cria-se um ambiente potencialmente muito produtivo, até da imaginação.
Esperamos então que daqui voltem a sair muitos contos sobre Lisboa ou inspirados em Lisboa?
Eu espero que sim. Os contos não quer dizer que se passem em Lisboa ou que reflitam especificamente sobre a nossa cidade, mas a nossa cidade, de certa maneira, vai aparecer em qualquer pormenor que esteja presente nesse conto. De qualquer das maneiras, será sempre muito positivo que eles venham cá. Alguns vêm pela segunda vez. Eu tenho ido a outros congressos que entretanto ocorreram entre 2006 e agora e várias vezes me dizem: Ah, Lisboa é que foi! Ah, Lisboa gostaríamos tanto de lá voltar. Portanto, alguns vão ter a oportunidade de voltar mas há muita gente nova porque o mundo mudou. E umas das coisas que o mudou foi a presença na China no mundo internacional e também no mundo da literatura. Por isso vamos ter, pela primeira vez, escritores chineses a virem, neste caso mais ligados à Shangai Writers Association.
Gostaria de destacar alguns escritores que vão cá estar este ano, quer chineses, quer de outras nacionalidades?
Talvez pudesse destacar lusodescendentes. Nesse caso temos a Minoli Salgado que é do Sri Lanka, a Katherine Vaz e o Darrell Kastin que são dos Estados Unidos. Depois temos escritores de todo o lado. Tenho que confessar que não temos assim muitos escritores do mundo africano. Em condições ideais queríamos ter mais presença do mundo de Língua Portuguesa traduzido.
O conto tem-se popularizado. Cada vez mais as pessoas gostam de ler contos. Deve-se a quê? Há mais divulgação deste estilo literário? As pessoas têm cada vez menos tempo e por isso o conto é um bom recurso porque é algo que se lê rapidamente?
Eu acho as duas coisas e talvez mais. O conto tem origem na oralidade. Nós todos contamos histórias uns aos outros todos os dias. De uma maneira ou outra, estamos sempre a contar histórias. Depois a formalização disso numa dimensão literária exige outro tipo de reflexão e de cuidado.
Mas se nós pensarmos num dos grandes teóricos do conto que foi Edgar Allen Poe, em meados do século XIX nos Estados Unidos, ele começou a trabalhar para revistas para leitores que ele sabia que eram muito ocupados. É que a atenção que era dada à literatura era sempre reduzida e, portanto, eles tinham de arranjar estratégias para captar a atenção do leitor. E por isso aquilo que referiu, ser uma forma breve, que permite que seja lida com um não-dispêndio muito grande de tempo, ajuda. Mas para Poe não era apenas essa a dimensão. O que ele queria também era uma intensidade de efeito e de moldura, ter uma peça e um objeto que era completamente enquadrado e agarrado de forma muito concreta e breve. Ele queria que as pessoas lessem o conto de uma assentada, para não perderem a atenção, para não perderem a intensidade do seu envolvimento com a leitura. E claro que o conto permite muito mais isso. São poucos os romances que nós temos tempo para ler de uma assentada. E por isso, nós continuamos a ter pouco tempo, muitas vezes muito menos tempo. Temos muito mais solicitações, desde redes sociais a tudo. E por isso a leitura de contos talvez tenha tido uma oportunidade acrescida de interesse dos leitores.
Para além disso, é aquela dimensão da intensidade. Isso faz com que o próprio escritor e o leitor tenham que dar uma enorme atenção a cada palavra que estão a usar. Cada palavra, como no poema, torna-se ainda mais preciosa. São sempre preciosas mas nós, às vezes, não lhes damos a atenção devida.
E como começa tudo? Como é que nasce um conto? Como é que estas palavras se começam a encaminhar e nasce um conto?
Eu gostaria de dizer que não sou escritora. Sou mais uma leitora interessada e apaixonada muitas vezes pela forma. Nós podemos escrever uma tese quase de doutoramento sobre um conto porque há contos que têm essa capacidade, de nos abrir um mundo imenso a partir de um texto muito diminuto às vezes. Mas uma das coisas que reconheço é que a primeira frase é fundamental. O conto tem de agarrar a pessoa logo desde o início porque não tem muitas folhas para o agarrar mais tarde.
Depois, como o conto não tem muito espaço de expansão narrativa, tem que condensar e, muitas vezes, tem a ver com o número reduzido de personagens - pode ser só uma. O número reduzido de situações, que funciona um bocadinho como o ponto alto e muitas vezes é próximo do fim, como se a pessoa chegasse ao alto do monte e depois tivesse a cair do monte abaixo.
Enquanto leitora, que características deve ter um conto para se tornar num bom conto?
De certa maneira, um bom conto é aquele que consegue comunicar e agarrar o leitor. Eu diria que um bom conto deve demonstrar um bom domínio da linguagem e um bom domínio da capacidade de narração de uma história. Ou seja, em princípio um conto deve começar de uma forma interessante e avançar rapidamente com a história que quer contar, para não se perder. Mas há contos que estão precisamente a questionar esta presunção e que se tornam interessantes até pelo jogo de tornar visível perante o leitor o mecanismo de construção da narração.
Ainda agora falávamos de como o interesse pelo conto está a crescer. Ainda assim muitas vezes é olhado como o parente pobre da literatura. Porquê?
Nem sempre 'menos é mais' é entendido como sendo assim. E às vezes também não o é. Por outro lado, há escritores que começam por escrever contos um bocadinho como uma forma de ganharem à vontade com o ato de escrita. Há mais possibilidade de mais pessoas se aventurarem por esse caminho, o que pode ajudar a que se olhe para ele como uma forma menor. E é contra essa ideia que está a Sociedade para o Estudo do Conto - não olhar para o conto como uma forma menor mas como uma forma tão grande como qualquer outra.
Mas eu sei de leitores que dizem que precisam de tempo para entrar naquela narrativa, que não querem cair do penhasco abaixo, que não querem chegar ali, assim de repente, a correr e depois não terem uma continuidade, que precisam de ter dias de leitura. Portanto o romance surge como aquela forma que lhes dá mais satisfação. Penso que cada um se calhar nalguns momentos prefere ler contos e noutros momentos prefere ler um romance. Por isso, acho que o conto deve ser visto como uma das formas literárias relevantes, não como o parente pobre mas também não como o parente rico, ou seja, é uma forma que está ao nível das outras, desde que seja boa.