Em público Marcelo pediu a Trump que acompanhe a campanha da seleção portuguesa no Mundial da Rússia. Em privado disse-lhe na cara o que pensa Portugal sobre migrações e comércio mundial. Trump ouviu, o que já não foi mau.
Se uma bola de futebol é redonda, a Sala Oval, está bom de ver, é oval. Mais difícil é perceber qual é a forma geométrica do pensamento de Donald Trump. Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa chegou à Casa Branca determinado em fazer valer as posições de Portugal sobre várias matérias, incluindo as mais sensíveis como migrações e acordos comerciais.
Sobre o tema dos imigrantes, Trump repetiu a cartilha que tem desde a campanha eleitoral: "Acreditamos em fronteiras fortes, sem crime, já os democratas acreditam em fronteiras abertas e em muito crime", afirmou o Presidente norte-americano perante as perguntas dos jornalistas. Lá pelo meio, confessa ignorância sobre a posição portuguesa, "eu não sei bem o que pensa aqui o senhor presidente", para rematar logo a seguir com o mais recente soundbyte a propósito da separação de pais e filhos na fronteira do Estados Unidos com o México:"Acreditamos que as famílias têm que estar juntas".
Marcelo Rebelo de Sousa antecipou todos - ou quase todos - os temas que iriam ser abordados na declaração conjunta da Sala Oval. E sempre que Trump opinava sobre temas polémicos - em que Portugal tem posições diametralmente opostas às dos Estados Unidos - o Presidente da República tentava manter uma expressão facial séria, sem conseguir evitar, ainda assim, uns acenos de cabeça em sinal de rejeição.
Aconteceu com o tema das migrações e voltou a acontecer com o tema do comércio mundial. Trump voltou a pedir "acordos comerciais justos" e garantiu que os Estados Unidos estão "a trabalhar para isso. Estamos a trabalhar com os vossos representantes", disse Donald Trump, olhando para Marcelo Rebelo de Sousa, que não desperdiçou a oportunidade para meter a colher: "Eu sei que se vai encontrar com o Presidente da Comissão Europeia. Isso são ótimas notícias". Trump seguiu literalmente para bingo com um "sim, sim" e deu por terminadas as declarações à comunicação social.
Cristiano Ronaldo a presidente
Na intervenção inicial que fez, Donald Trump quase se esquecia que estava lá o Presidente da República de Portugal. Falou abundantemente da política interna norte-americana, referiu-se brevemente a Marcelo como um chefe de Estado "altamente respeitado" e às ótimas relações entre os dois países, mas pouco mais.
Já Marcelo levava o discurso muito bem estudado. Recordou a Trump que Portugal foi um dos primeiros países a reconhecer a independência dos Estados Unidos, contou-lhe o episódio do brinde que os fundadores deste país fizeram com vinho da Madeira e recordou a enorme comunidade portuguesa que reside na terra das oportunidades. Trump ouviu, sorriu, mas não comentou. Exceto quando Marcelo lhe falou de futebol, um desporto que Trump não segue, não gosta e não percebe.
Antecipando uma eventual presença de Donald Trump na Rússia, com o Mundial de futebol ainda a decorrer, o Presidente da República deixou o desafio ao homologo norte-americano para que siga a campanha da Seleção Portuguesa de Futebol e um jogador em particular: Cristiano Ronaldo, o melhor do mundo. Sabia senhor Presidente?
Trump, aparentemente, desconhecia tal facto. Ou se sabia, fez o ar mais espantado do mundo quando ouviu falar em Cristiano Ronaldo. O que não significa, necessariamente, que tenha ficado sem nada para dizer: "E acha que o Cris pode vir a candidatar-se a Presidente da República", atirou Trump, arrancando uma gargalhada geral na sala. "Não é que ele tenha hipóteses de ganhar.". Marcelo nem o deixou acabar a frase e apressou-se a explicar a Donald Trump que "a política em Portugal funciona de uma forma muito diferente da dos Estados Unidos.
O Presidente português prosseguiu o raciocínio e conseguiu deixar a mensagem que queria: "Se for à Rússia assistir ao Mundial não se esqueça que Portugal ainda lá está e provavelmente vamos ganhar." Claramente desinteressado na informação, Trump limitou-se a dizer "vocês estão a ir muito bem" e a perguntar a Marcelo se ele estava satisfeito com a prestação da equipa portuguesa. A resposta foi óbvia:"pois se temos o melhor do mundo, claro que estou."
Trump vai à Rússia
Quando Marcelo desafiou Trump a acompanhar a Seleção Nacional de Portugal no Mundial, já antecipava que o presidente norte-americano se estava a preparar para ir à Rússia. A pergunta já tinha sido feita por uma jornalista americana (só os jornalistas americanos estavam autorizados a fazer perguntas) e Trump já tinha confirmado que "brevemente" iria viajar até ao velho continente e que a Rússia estava no roteiro.
Marcelo fez questão de lembrar que tinha estado com Vladimir Putin a semana passada, enquanto Donald Trump aproveitou para reafirmar que para os Estados Unidos "é muito importante manter boas relações com a Rússia, com a China, como todos os países". A frase podia ser consequente e ter uma mensagem final, mas não. O presidente americano limitou-se a dizer que "estas reuniões são sempre muito importantes".
Foram 15 minutos numa Sala Oval cheia de jornalistas, mais 25 minutos a sós, que deram para o Presidente da República falar de tudo o que levava na agenda. No final, o balanço de Marcelo Rebelo de Sousa era, claramente, positivo. Ainda que as diferenças políticas entre os dois países, continuem a ser bastante evidentes.