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"Há crianças a morrer à fome, sem nada para comer na Venezuela"

REUTERS/Nacho Doce

Pacaraima recebe mil venezuelanos por dia. À TSF, o padre desta paróquia brasileira relata uma situação dramática na fronteira.

Todos os dias o cenário repete-se. Pelas contas das autoridades locais, a cidade brasileira de Pacaraima recebe, em média, 1.000 venezuelanos por dia. Pessoas que fogem da crise e que procuram no Brasil a esperança e dignidade que perderam na Venezuela. O padre espanhol Jesus Bobadilla, rosto desta pequena paróquia brasileira, diz que a sobrelotação da cidade está a provocar episódios de xenofobia e que a situação dos que chegam ao Brasil é dramática.

"Chegam sem conhecer ninguém, sem dinheiro, moram na rua e com fome... é uma fome que grita, uma fome que não pode esperar. Já ouvi muitos depoimentos de famílias que as crianças morreram de fome, não é metafórico, morrem porque não têm nada para comer."

Para aconchegar o estômago de quem cruza a fronteira, o pároco espanhol fornece diariamente um pequeno-almoço solidário a 1600 migrantes. A iniciativa começou há um ano, com o apoio de 20 voluntários, mas tem vindo a crescer nos últimos meses devido ao crescente fluxo migratório.

"Muitos deles falam, Padre, a única coisa que levo à boca durante o dia é o pão e o café com leite que você nos dá."

Com fome e sem trabalho, muitos dos que chegam seguem para outras cidades, como Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro, à procura de melhores condições de vida. Quem não parte fica em Pacaraima, que está está completamente lotada. A pequena cidade, com cerca de 5 mil habitantes, tenta por estes dias lidar com a pobreza dos que lá vivem e dos que fogem da crise, do outro lado da fronteira.

"Atualmente os venezuelanos que moram aqui são tantos como os brasileiros, a cidade está supersaturada, é uma cidade pequena, uma cidade pacata. O povo ficou farto da presença dos venezuelanos nas ruas, porque com eles vem a prostituição, a droga, assaltos a mão armada, roubos, violência."

A guerra de pobres contra pobres não tem fim à vista e a sobrelotação da cidade está a provocar tensões sociais, com dezenas de venezuelanos perseguidos e expulsos por brasileiros. Com medo de serem atacados durante a noite, muitos preferem cruzar a fronteira, a 500 metros de distância, para pernoitarem no país de origem. De manhã voltam a Pacaraima para pedir ajuda e comer. O pároco espanhol, que vive no Brasil há 33 anos, lamenta os ataques e acusa as autoridades locais de usarem o problema da migração como bandeira, a dois meses das eleições no Brasil.

"O que interessa agora é lutar pelo voto, infelizmente o fator xenofobia dá votos aos políticos, o discurso dos políticos é totalmente xenofóbico."

Vários políticos locais sugerem o encerramento provisório da fronteira com a Venezuela, numa altura em que o fluxo migratório continua a aumentar.