O presidente da República, Jorge Sampaio, disse hoje em Huelva, Espanha, que o tratamento dado aos detidos nas prisões de Abu Graib (Iraque) e Guantanamo (base norte- americana, em Cuba) desprestigia «a prática democrática no mundo».
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Falando aos jornalistas portugueses no final de uma homenagem ao seu amigo Juan Antonio Carrillo Salcedo, catedrático de Direito Internacional na Universidade de Sevilha, o chefe de Estado português considerou que «há princípios fundamentais que em caso algum devem ser afastados».
«Qualquer que seja o princípio com que nos defrontamos e com que as vidas humanas e os Estados são ameaçados - até porque os protagonistas são diferentes, já não são os Estados, como eram há um século - há questões fundamentais que não devem ser ultrapassadas», disse.
O Presidente considerou a intervenção norte-americana no Afeganistão «completamente compreendida» porque se tratou «de uma legítima defesa que se poderia comportar no Direito internacional", mas declinou pronunciar-se sobre o Iraque no estrangeiro, justificando que a sua posição «está muito dita e escrita em Portugal».
Novos desafios para o Direito Internacional
Durante a sua prelecção na sessão de homenagem a Carrillo Salcedo, o Chefe de Estado falou sobre os desafios que as novas ameaças, designadamente o terrorismo internacional, impõem ao Direito Internacional.
Na mesma linha do que mais tarde diria aos jornalistas, considerou que os Estados não devem perder as regras da decência e da humanidade, mesmo perante adversários que não as cumpram.
«Triste seria que, nesta longa caminhada em direcção a patamares de decência e humanidade mínimos, lá onde os homens pegam em armas (porque é isso o Direito Humanitário), viéssemos a perder o rumo, por obra e empenho
daqueles que mais profundamente desprezam a decência e a humanidade - os que matam inocentes porque, para eles, todos são responsáveis», afirmou.
Respondendo aos que defendem que perante adversários tão implacáveis não podem ser invocadas «as regras quase cavalheirescas do Direito Internacional», Sampaio questionou se «não será essa precisamente a grandeza possível daquelas regras, vinculando-nos mesmo que a outra parte não o faça».
É urgente «reflexão ponderada» sobre ameaças do mundo
Perante as novas ameaças, considerou urgente uma «reflexão ponderada» sobre o âmbito e conteúdo do Direito Humanitário, classificando os atentados de 11 de Setembro de 2002 como «um marco indelével e de primeira grandeza» neste âmbito.
Aqueles atentados e os que se seguiram «abalaram muitas das nossas certezas, porque se trata agora de definir quais as respostas legítimas de um Estado a ataques terroristas, organizados e preparados noutro Estado, mas executado por actores não estaduais», disse.
Para lá da discussão sobre a natureza jurídica em que se deve enquadrar o «acto terrorista» - conflito armado ou guerra -, sublinhou que o perigo agora representado pelo terrorismo da Al-Qaeda é muito mais ameaçador do que o representado por outros Estados.
«A guerra crucial dos nossos dias opõe o Estado a um, a vários entes não estaduais e dificilmente localizáveis num território», disse.
Questionou como se pode enquadrar um conflito envolvendo organizações terroristas «no sentido [da convenção] de Genebra» se ela só é aplicável a situações de guerra declarada ou «qualquer outro conflito armado» entre duas partes contratantes.
«Esse é o dilema. Mas essa é também a tentação do vazio a que se torna fundamental resistir», sustentou, apelando a um novo enquadramento jurídico, que supere as muitas dúvidas e divergências existentes nesse domínio.