Durante mais de uma hora e meia o Coliseu dos Recreios quase esgotado deixou-se fascinar pela «Cantada» de Adriana Calcanhoto. A compositora brasileira apresentou-se ontem pela segunda vez nesta sala de Lisboa e quem ainda não foi vê-la tem a última oportunidade hoje pelas 22:00.
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«Dar uma cantada» e seduzir são sinónimos para os brasileiros. E foi isso mesmo que Adriana Calcanhoto esteve a fazer ontem à noite no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. A cantora apresentou temas do seu último disco, «Cantada», de mistura com os grandes sucessos da sua carreira, e encantou o público com o seu jeitinho especial.
Disse que não é uma especialista em cantadas. Que, pelo contrário, só percebe que lhe dirigiram uma dois ou três dias depois. Mas que se interessa muito pelo tema, que é uma pesquisadora. E admitiu perante o público que o que ainda hoje procura fazer é alcançar a mesma concisão, a mesma força poética que teve um menino muito preto que um dia, quando ela tinha treze anos, se dirigiu a ela e lhe perguntou: «E se a gente botasse o preto no branco?»
Esta foi uma das histórias, «entre as muitas que podia contar e as que não posso contar de jeito nenhum», com que Adriana se aproximou dos espectadores e manteve a intimidade e o bom humor na sala do princípio ao fim do concerto, que começou com a proposta de um «Programa». Esta é também a primeira faixa do disco e propõe ao ouvinte que vá até à zona sul, onde o sushi com cólera é apenas o início de um percurso nocturno que só termina de madrugada em Bangu.
Com a sua delicadeza habitual, Adriana cumprimentou o público de Lisboa que logo a seguir arrebatou decisivamente ao interpretar um dos seus grandes sucessos, «Mais Feliz».
Cantando com os amigos
Seguiram-se outras canções do último disco, entre as quais «Pelos Ares», depois do que a cantora apresentou o primeiro elemento da sua banda. Descreveu Dé Palmeira, o baixista, com uma série de adjectivos como dedicado e delicado e terminou referindo «e meu amigo».
Seus amigos são também o teclista Roberto Pollo e o baterista Domenico Lancelot, que a acompanharam igualmente neste concerto e que Adriana apresentou como pessoas muito especiais através de mais adjectivos em que se incluía o nada brasileiro «giro».
Antes da sexta canção o público do Coliseu ficou a conhecer a história do nome do último disco da compositora, que é o mesmo do espectáculo. O título do álbum não foi premeditado e surgiu já a meio das gravações, quando Adriana se deu conta de que todas as músicas que tinham sobrevivido ao seu processo selectivo eram canções de sedução. A partir daí o nome do disco tornou-se evidente, sobretudo porque já havia uma canção chamada «Cantada».
Essa canção já tinha sido gravada por Maria Bethânia, porém com o título «Depois de Ter Você».
«Sempre que eu consigo fazer uma canção», contou Adriana, «mando para a Maria Bethânia, que sempre me liga de volta dizendo que achou o título muito ruim. Por isso eu mandei essa já sem nome. Depois houve um desencontro, a Bethânia viajou e acabou gravando a música sem a gente discutir o título. E quando ela ficou sabendo que era 'Cantada', até que ela achou bacana!»
As canções que Adriana não fez
Seguiu-se o bloco das canções que Adriana gostaria de ter feito e não fez, a começar por «Music», de Madonna. Ainda mais que isso, Péricles Cavalcanti, que escreveu «Intimidade» e «Sou Sua», é o exemplo de um autor que Adriana gostaria de ser e não é. Mas neste bloco de canções também houve espaço para «Metade», uma canção que Adriana gostaria de ter feito... e fez.
O concerto não chegou ao final sem a interpretação do incontornável «Devolva-me», que todo o público acompanhou em coro, e de outros clássicos da cantora como «Esquadros», «Inverno» e «Vambora», com que a artista encerrou o espectáculo.
Mas claro que teve de regressar ao palco, para cantar ainda «Mentiras», em que foi o público que cantou «que é pra ver se você volta, que é pra ver se você vem, que é pra ver se você volta pra mim», uma segunda versão de «Pelos Ares» e ainda «Cariocas», que não estava previsto no alinhamento deste espectáculo mas que a compositora não conseguiu deixar de fora depois de tantos pedidos.
O final chegou mesmo ao som de «Maresia», que mandou os espectadores para casa cantarolar «Ah se eu fosse marinheiro».