A ex-provedora da Casa Pia Catalina Pestana afirma este sábado, em entrevista ao Sol, acreditar que o julgamento do caso de pedofilia envolvendo alunos da instituição está a demorar «porque era preciso» esperar por leis penais alegadamente mais brandas.
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Catalina Pestana refere-se aos novos Códigos Penal e de Processo Penal, que entraram em vigor a 15 de Setembro.
Na segunda parte da entrevista ao semanário Sol, a ex-provedora da Casa Pia de Lisboa, observa que o processo já «se arrasta há três anos», porque era preciso que saísse o actual Código Penal, cujo artigo 30º, como disseram vários juristas, foi feito expressamente para a Casa Pia».
«Vai demorar ainda mais e só agora percebi porquê», adiantou.
Catalina Pestana refere ainda uma situação concreta: «antes, um crime de abuso sexual contava as vezes que uma vítima era abusada; o actual Código Penal diz que um crime continuado de abuso sexual conta como um único crime. Eu percebo por que é que foi preciso esticar no tempo este processo, com o tribunal a permitir a repetição de perguntas 'ad infinitum'».
E acrescentou: «Eu própria fui ouvida em audiência durante quase três meses, com os advogados todos a perguntarem aquilo que eu já tinha respondido três, quatro, cinco vezes. E às vítimas aconteceu o mesmo».
Em relação ao facto do PS e PSD terem aprovado em conjunto os novos Códigos Penal e de Processo Penal, Catalina Pestana refere que as actuais diferenças entre ambos são pequenas.
«Perguntam-me como é que os dois partidos aprovaram isto? Bem, havia um Pacto para a Justiça, além de que a diferença entre os dois partidos hoje em dia tem de se ver ao microscópio, já não basta uma lupa...»
«Se nos partidos todos acharam que este Código Penal e este Código de Processo Penal eram muito bons, então a sociedade civil tem de se organizar para defender pelo menos aqueles que não têm ninguém adulto que os defenda», adiantou Catalina Pestana, para anunciar a criação, em Janeiro próximo, de uma Rede de Cuidadores para defender as crianças de eventuais abusos.
A ideia da Rede de Cuidadores - referiu - «decorre do processo Casa Pia: a uma rede de abusadores só consegue opor-se uma rede de cuidadores».
«Chegou a dizer que a verdade do processo Casa Pia seria igual a um terramoto. Qual foi, afinal, a intensidade do abalo?», foi outra pergunta colocada a Catalina Pestana.
E a resposta foi: «Um terramoto de grau sete. Quando se fizer a história deste processo, todos verão que se houvesse legislação que permitisse investigar tudo o que foi dito a mim, à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, o terramoto teria consequências devastadoras».
À questão se «tenciona divulgar» nomes de pessoas alegadamente envolvidas em actos de pedofilia com alunos da Casa Pia, Catalina Pestana disse: «Quando isso acontecer, eu já cá não estarei. Vou deixá-los a quem há-de ficar vivo, para só daqui a 25 anos os publicar, como a lei diz».
Catalina Pestana afirmou que vai deixar essa lista de nomes «a alguém de confiança absoluta».
Quanto à reestruturação da Casa Pia de Lisboa, implementada pelo actual Governo, considerou que «foi a oportunidade perdida» para a instituição.
Catalina Pestana foi nomeada provedora nos finais de 2003 (após ter rebentado o escândalo de pedofilia com alunos da instituição que está em julgamento no Tribunal do Monsanto, em Lisboa, com sete arguidos) e abandonou o cargo a 11 de Maio deste ano, aposentando-se.
Antes disso, Catalina Pestana trabalhou na Casa Pia durante 12 anos (entre 1975 e 1987), exercendo funções de professora, directora de um dos colégios e assessora da administração.
Questionada pelo Sol se durante esse período não se apercebeu de que havia alunos que eram vítimas de abusos sexuais, Catalina Pestana respondeu que «não».