A aplicação de um novo tratamento do carcinoma espino-celular da região anal tem permitido evitar a colostomia definitiva. A terapêutica, à base de quimioterapia, está ser aplicada no Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
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A aplicação de uma nova terapêutica no tratamento do carcinoma espino-celular da região anal - um dos carcinomas malignos mais raros e que afecta sobretudo as mulheres - tem permitido evitar o recurso à colostomia definitiva.
Até há bem pouco tempo, os pacientes atingidos por este tipo de cancro eram submetidos a intervenção cirúrgica para desviar o intestino para a barriga e aí era construído um orifício artificial, designado estoma (ânus abdominal), para defecação das fezes.
Contudo, a nova terapêutica à base de quimioterapia, aplicada no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, constitui um alívio sem precedentes para estes doentes, evitando que engrossem o número de portugueses ostomizados, cerca de dez mil.
Embora situado nas imediações da região do recto e perto dos intestinos, o espino-celular é morfologicamente muito diferente dos cancros do cólon e do recto, explicou, em entrevista à agência Lusa, o especialista em oncologia e director do serviço de oncologia médica II do IPO de Lisboa Aires Fernandes.
Anualmente, em Portugal, são diagnosticados entre dez a doze novos casos de carcinoma espino-celular da região anal, zona de transição da pele e o epitélio do intestino, que aqui regista entre cem a duzentos novos casos de cancro/ano, estes de origem glandular.
Como detectar
«Muitos destes doentes têm alguma incontinência porque o tumor quando surgiu já tinha destruído o esfíncter anal (músculo que pela sua acção fecha e aperta o ânus), e este não pode ser reconstruído. A única possibilidade - quando a incontinência é insuportável - é fazer uma colostomia para evitar que a qualidade de vida do doente seja muito perturbada».
«Em muitos casos, as pessoas, apesar da existência de sintomas (comichão, perdas de sangue e sensação da presença de um corpo estranho), procuram o médico em fases tardias da doença. Algumas vezes por considerarem as perdas de sangue pelo ânus devidas a hemorróidas, e, outras, por vergonha de se exporem à observação clínica».
«À medida que a doença está avançada a probabilidade de cura é menor e mais pessoas serão a observar», alerta o especialista.
«Com este método de quimioradioterapia combinada já foram tratados cerca de cem doentes, o que para uma patologia como esta é um número importante, e o recurso à cirurgia - colostomia - só é feito nas falhas do tratamento», acrescentou.
Novo método
O novo método de tratamento desta doença, um pouco variável de doente para doente, prolonga-se ao longo de seis meses e é composto por cinco/seis sessões de quimioterapia (de cinco dias consecutivos cada, com internamento hospitalar), ministrada com intervalos entre cada sessão, e 25 episódios de radioterapia, aplicados diariamente e a meados dos tratamentos da quimioterapia.
A toxicidade dos tratamentos, «que não é de desprezar», provoca dois tipos de efeitos - passageiros e definitivos. Náuseas, vómitos, inflamação da boca, fraqueza e cansaço muito acentuados, perda do cabelo e, por vezes, queimaduras na vagina e virilhas podem constituir a lista dos efeitos considerados passageiros.
Dos definitivos, designados toxicidade crónica, constam dormência das mãos e pés (toxicidade neurológica) - «não impeditiva do desempenho de uma vida normal, embora provoque algum desconforto» - fibroses na pele resultantes das queimaduras na região submetida à radioterapia e ainda perda de audição, concluiu Aires Fernandes.
Equipa multidisciplinar
Para testar a eficácia dos resultados da aplicação deste método foram seleccionados, no IPO de Lisboa, 28 pacientes (20 mulheres e oito homens), com idades compreendidas entre os 37 e 74 anos (média das idades 58,3 anos), dos quais «75 por cento, cinco anos depois do tratamento, continuam vivos e com a sua anatomia preservada», salientou Aires Fernandes.
Partindo dos resultados obtidos pelo americano Norman Nigro, que no início desta década se propôs transformar os tumores inoperáveis em operáveis (reduzindo o seu tamanho), foi formada, em 1994, uma equipa multidisciplinar no Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil (IPO de Lisboa).
Integrada por especialistas em oncologia, radioterapia, radiologia e proctologia, a equipa reúne Aires Fernandes, Alfredo Barata, António Henriques, Cândida Trindade, Fátima Vaz e Paulo Fidalgo.