Eça de Queirós continua a gerar polémica e a dar que falar. Exemplo disso é «O Crime do Padre Amaro», um filme inspirado na obra com o mesmo nome. Igreja, sexo, corrupção, tráfico de droga e lavagem de dinheiro são os ingredientes. Estreia esta sexta-feira.
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Três meses depois de ter estreado no México, a 16 de Agosto, «O Crime do Padre Amaro», do realizador mexicano Carlos Carrera, uma adaptação livre da obra homónima do escritor português Eça de Queirós, estreia esta sexta-feira nas salas de cinema portuguesas.
No país de origem, a segunda nação mundial com maior população católica, a contestação que procedeu a estreia, e que provocou a ira da Igreja Católica e dos sectores mais conservadores, acabou por ser a melhor publicidade: no primeiro dia de exibição os bilhetes esgotaram, em cerca de 400 salas de cinema, em menos de uma hora.
No primeiro fim-de-semana de exibição, «O Crime do Padre Amaro» bateu o recorde de bilheteira: o filme foi visto por 862.969 espectadores e arrecadou 3,1 milhões de euros, superando êxitos nacionais de «Y tu mamã también», «Amores Perros» e «Sexo, Pudor y Lágrimas». E depois de 20 dias em exibição arrecadou cerca de 12 milhões de euros, verba que permite recuperar o investimento feito, segundo a imprensa mexicana.
A história do Padre Amaro superou mesmo as receitas de películas como «Harry Potter e a Pedra Filosofal», «O Senhor dos Anéis», «Guerra das Estrelas» e «Homem aranha», tornando-se no filme mexicano de maior sucesso de sempre no país.
«Ventos contrários e desprestigiosos»
O sucesso que acompanhou a estreia, andou de mãos dadas com protestos e contestações que levaram à tomada de fortes medidas de segurança devido a ameaças de boicote por parte de grupos conservadores, que chegaram a pedir às autoridades para impedir a estreia do filme. Foi mesmo apresentada uma queixa-crime contra os ministros do Interior e da Cultura.
Os protestos dirigem-se especialmente a duas cenas do filme, uma sobre a relação sexual entre o padre Amaro e Amélia debaixo do manto da Virgem de Guadalupe e a outra com uma mulher a dar uma hóstia a comer a um gato.
Durante uma manifestação, onde dezenas de freiras saíram dos conventos para rezarem «pelo agravo que o filme fez contra a Igreja Católica», a porta-voz da Comunidade Maria Sempre Virgem adiantou que o filme mostra «o mais sagrado da fé de uma forma que não é conveniente e que ofende porque se trata de Deus e da Mãe Santíssima».
Também a Conferência Episcopal do México emitiu uma nota inédita, onde «protesta publicamente» pelo conteúdo do filme que «constitui uma ofensa à crença religiosa dos católicos».
Posições reiteradas pelo bispo de San Cristóbal de Las Casas. Empenhado em que o filme não chegasse aos olhos dos fiéis, D. Felipe Arizmendi divulgou uma pastoral advertindo para os «ventos contrários e desprestigiosos que sopram contra a Igreja Católica».
O bispo Arizmendi lamentou, ainda, que o filme tenha sido financiado com dinheiros dos impostos pagos pelos cidadãos, «a maioria dos quais católicos».
«Temos de remar contra a corrente, para que ela não nos afogue, pois a vulgaridade, o que degrada, a obscenidade e a violência que se vê no cinema e na maioria dos meios de comunicação ameaçam destruir toda a sociedade», defendeu.
Note-se, contudo, que também no México, o filme foi defendido pelo padre Rafael Gonzalez, porta-voz do Conselho de Bispos Mexicanos, que o classificou como «um alerta para que a Igreja reveja os seus procedimentos para selecção e treino de padres e para que esteja mais próxima das pessoas. A controvérsia existe porque é um filme honesto».
Mas um pouco por todo o mundo as reacções sucedem-se. Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de autores (SPA) solicitou ao ministério da Cultura uma reflexão sobre a matéria; à luz do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.
É ao Estado que compete zelar pela «genuidade e integridade» das obras caídas no domínio público, o quew se aplica ao legado literário de Eça, argumenta a SPA.
Nas Honduras, o candidato a Melhor Filme Estrangeiro da próxima edição dos Óscares será apenas exibido em horário nocturno (a partir das 19:00 locais), devido a uma decisão da Comissão de Censura governamental.
Factos que terão despertado ainda maior interesse nos cinéfilos.
«Críticas são exageradas»
O realizador, Carlos Carrera, afirma que «as críticas são exageradas» e que o problema da Igreja Católica são os padres que efectivamente praticam as acções atribuídas a Amaro, e não o facto das acções se tornarem tema de literatura ou de cinema.
Recorde-se que «O Crime do Padre Amaro», uma das melhores promessas do cinema mexicano, partilha o enredo anti-clerical com o romance queirosiano, aborda a relação entre a Igreja e o poder, onde imperam sacerdotes corruptos ou que violam a imposição do celibato e donativos feitos à Igreja por narcotraficantes, para lavagens de dinheiro.