Os parâmetros éticos devem ajustar-se à mudança, nomeadamente através de legislação própria, sob pena de se colocarem obstáculos ao progresso científico. Esta é uma das conclusões do primeiro encontro Luso-brasileiro de Bioética, a decorrer em Lisboa.
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Os parâmetros éticos devem ajustar-se à mudança, nomeadamente através de legislação própria, sob pena de se colocarem obstáculos ao progresso científico, considerou hoje Marco Segre, um dos conferencistas do primeiro encontro Luso-brasileiro de Bioética.
«Ainda não há lei porque é tudo muito novo, existindo por vezes o receio do diferente, como acontece com a clonagem», disse o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O encontro, que decorre em Lisboa sob o tema «Cérebro e Ética», foi coordenado pelo presidente português do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Luís Archer, e por Marco Segre, também presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.
Os trabalhos tiveram início com as exposições de Alexandre Castro Caldas, docente de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa, e do professor brasileiro sobre a transplantação de células e tecidos embrionários e fetais.
Durante a sua apresentação, Marco Segre lembrou várias vezes que o momento que dita o início da vida é decretado pelas próprias pessoas, sendo, actualmente, necessário revê-lo e, acima de tudo, defini-lo.
A morte e a vida são conceitos que se vão modificando, estando dependentes de condicionalismos culturais, disse, lembrando a esse propósito que a definição de «morte cerebral» foi adoptada para facilitar o transplante de órgãos.
«É necessário estabelecer quando começa a vida, já que essa é uma questão que origina posicionamentos diferentes, pois depende de cada um e das suas crenças pessoais a forma como se encara a utilização de células embrionárias ou fetais», continuou.
Segundo o médico, é «necessário estabelecerem-se hierarquias de valores, onde a dignidade humana, a vida, a garantia de respeito à subjectividade e diferença sejam sempre o nosso norte».
É que todas as considerações sobre o início da vida, e os limites éticos relativamente à utilização de embriões humanos, levantam um dilema para o investigador.
«Ou alteramos os padrões morais, revendo as hierarquias de valores, ou interrompemos todas as pesquisas com reprodução assistida e clonagem de seres humanos», concluiu.
Castro Caldas concentrou a sua exposição nas várias tentativas dos investigadores, ao longo dos anos, na cruzada por respostas terapêuticas para doenças que envolvem a morte de células nervosas, principalmente a doença de Parkinson.
Dos homoenxertos (implantes de células da glândula supra-renal do cérebro do próprio doente) aos heteroenxertos (células provenientes da protuberância de fetos humanos), muitas têm sido as abordagens dos neurologistas na procura de uma cura para estas doenças.
«Um aspecto que merece mais discussão é a avaliação entre custo e benefício destas terapêuticas», disse Castro Caldas, também director do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
A principal questão, para o médico português, é a definição da melhor fonte para implantar num cérebro doente. Células fetais ou embrionárias humanas? Células de outros animais? Culturas de células obtidas por diversos meios? Ou materiais sintéticos com capacidade de interagir com o meio biológico?
Levantando todas estas interrogações, Castro Caldas alertou também para as consequências da «hibridização do proprium», indicando que «os mecanismos de rejeição imunológicos podem ser a nossa defesa inconsciente daquilo que se pode considerar uma violação das nossas fronteiras existenciais no mundo físico».
A abertura dos trabalhos foi feita por Luís Archer que apelou à discussão e à cooperação entre Brasil e Portugal nos domínios da bioética.
Um diálogo iniciado um dia antes, já que, na quinta-feira, os cientistas se reuniram informalmente para trocar experiências e confrontar iniciativas em ambos os países.
Além do estabelecimento de relações pessoais entre os investigadores, a reunião definiu a participação portuguesa no 6º Congresso Mundial de Bioética, que se realizará em Brasília em Outubro de 2002, sob o tema «Poder e Injustiça».