O Procurador-Geral da República (PGR), José Souto de Moura, recusa demitir-se caso o Ministério Público (MP) seja derrotado no processo Casa Pia, afirmando, em entrevista publicada hoje pelo semanário Expresso, que tal representaria a «politização da justiça».
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Posto diante do cenário de os acusados pelo Ministério Público acabarem por ser ilibados em julgamento, Souto de Moura recusou uma demissão, salientando que «em termos de democracia europeia, um PGR ser demitido porque um processo não teve o sucesso que o MP pretendia é extremamente grave».
«É abrir o flanco à politização da justiça», sublinhou.
«Poderá haver quem entenda que esse desfecho é condição para eu continuar no cargo - e, então, quem tem poderes para me demitir tomará uma opção. Mas é original que se comece já a propalar a ideia de que o cargo de PGR está dependente do desfecho de um processo», afirmou Souto de Moura.
Simpatias à margem
Quanto ao alegado envolvimento de figuras do Partido Socialista no processo, entre as quais o ex-líder Ferro Rodrigues, Souto de Moura salienta ter sido escolhido para PGR por este partido, pelo que seria «a última pessoa interessada em prejudicar o PS», embora «acima de simpatias pessoais estejam as obrigações inerentes ao cargo».
«O que assistimos no processo Casa Pia foi a uma colagem - terrível para o PS - de um problema pessoal ao partido. O partido deveria ter sido mantido sempre à margem» do alegado envolvimento de algumas das suas figuras no processo, salientou.
Campanha contra Souto Moura
Souto de Moura garante ter assegurado a legalidade do inquérito no processo Casa Pia, durante o qual manteve «contactos permanentes com os três magistrados do processo», mas admite algumas falhas de comunicação da sua parte.
Na entrevista ao Expresso, o PGR afirma não ter dúvidas de que existe uma campanha contra si e exemplifica com o caso das cassetes do Correio da Manhã.
«A reacção à publicação de telefonemas com duas pessoas foi de tal maneira desaustinada que não a consigo explicar se não houvesse, pelo menos, uma coordenação de várias pessoas para me afastar», disse.
Reacções descontextualizadas
Souto de Moura classificou ainda como «desproporcionada e, sobretudo, descontextualizada» a reacção às declarações que proferiu segunda-feira em Badajoz, Espanha, quando admitiu que algumas das decisões tomadas no decorrer do processo Casa Pia só se justificara por envolverem figuras
conhecidas.
«Eu disse que há actualmente um défice de sensibilidade para a protecção das testemunhas, designadamente quando são vítimas. Se já estivesse em vigor um projecto do anterior ministro da Justiça, que tornava obrigatório neste tipo de processos as declarações para memória futura (tal como em França), essa diligência não teria sido inviabilizada através do incidente de recusa do juiz Rui Teixeira», explicou.
«E não resisti a fazer a comparação com o processo dos Açores, onde não houve reacções negativas. Não quis com isto criticar as opções da defesa», acrescentou.
«Operação de risco»
Souto de Moura admite também que a própria entrevista que concedeu ao Expresso «é quase uma operação de risco».
«Há uma predisposição das pessoas para pegarem em tudo o que eu digo, ou não digo, e atacarem o PGR», sublinhou.