Numa declaração implícita ao Presidente da República, o advogado de Paulo Pedroso, Celso Cruzeiro, desafia quem tem a responsabilidade de avaliar o trabalho do Procurador-Geral da República, para tirar consequências do comportamento de Souto Moura.
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«Há instituições e pessoas que têm dentro da sua esfera de competência de apreciar, de maneira positiva ou negativa, a actuação do Procurador-Geral da República e tirar daí as consequências», afirmou Celso Cruzeiro.
O advogado de Paulo Pedroso no processo Casa Pia
considerou terça-feira «incorrectas» as declarações de segunda-feira do Procurador-Geral da República, Souto Moura, quanto ao processo, manifestando-se «indignado» com a gravidade das mesmas.
Souto Moura disse na segunda-feira, num colóquio realizado em Badajoz (Espanha), que algumas das decisões tomadas no decorrer do processo Casa Pia (que vai julgar vários arguidos acusados de actos de pedofilia com crianças da instituição) só se justificaram por envolverem figuras conhecidas.
«Não podemos calar a nossa mais profunda indignação quando a incorrecção e a gravidade das afirmações provém directamente de uma figura com a responsabilidade política, social e jurídica como é a do Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República», considerou em comunicado a sociedade de advogados Celso Cruzeiro e Associados.
O Procurador-Geral da República afirmou ainda segunda-feira que se o processo decorresse em França «os miúdos tinham sido ouvidos para memória futura, obrigatoriamente».
Segundo Souto Moura, houve «alguma hesitação no que diz respeito à protecção das vítimas da Casa Pia», hesitações essas que, na sua opinião, não podem existir e que só existem, «evidentemente, pela importância das pessoas que são acusadas».
Foram constituídos arguidos no âmbito do processo Casa Pia o apresentador de televisão Carlos Cruz, o médico João Ferreira Diniz, o ex-provedor adjunto da Casa Pia Manuel Abrantes, o embaixador Jorge Ritto, o advogado Hugo Marçal, o funcionário da Casa Pia Carlos Silvino, conhecido por «Bibi», Gertrudes Nunes, o humorista Herman José, o arqueólogo subaquático Francisco Alves e o deputado do PS Paulo Pedroso.
A 31 de Maio, a juíza Ana Teixeira e Silva pronunciou oito dos dez arguidos, decidindo não levar a julgamento Paulo Pedroso e Herman José, tendo o Ministério Público apresentado recurso desta decisão.
Para Celso Cruzeiro, Souto Moura é «obrigado a saber e a informar com verdade» que Paulo Pedroso nunca se opôs à realização das declarações para memória futura, mas tão só à sua efectivação sem que os seus advogados pudessem ter acesso às partes do processo indispensáveis ao exercício «de um contraditório digno e próprio de um Estado Democrático de Direito».
O Procurador-Geral da República, na opinião do advogado de Paulo Pedroso, tem obrigação de informar que após a notificação da acusação e a permissão do acesso aos autos, a declaração para memória futura poderia ter sido feita, apesar de «ninguém a ter requerido».
«E não poderia deixar de ter informado - ao contrário do que as suas palavras sugerem - que o suscitado incidente de recusa de Juiz não só não foi levantado por causa da decisão de tomar declarações para memória futura, como em nada impediria a realização de tal diligência, a qual sempre poderia ter sido efectivada», acrescenta o comunicado.
O comunicado - que é também assinado pelo jurista João Pedroso, irmão de Paulo Pedroso - salienta ainda que Souto Moura se esqueceu de referir que a prisão preventiva de Paulo Pedroso foi «declarada ilegal, por decisão há muito transitada do tribunal de Relação de Lisboa».
Celso Cruzeiro e João Pedroso dizem que Souto Moura também se esqueceu de que a acusação contra Paulo Pedroso foi «julgada infundamentada» pela Juíza de Instrução Criminal que, «por dever de oficio», proferiu a «decisão instrutória de não pronúncia».
«Isso, sim, seria - sem embargo dos comentários que lhe aprouvesse fazer - informar com verdade, e ter-nos-ia dispensado da incomodidade que nos dá sempre ter que vir a terreiro, em defesa da transparência, contrariar, de modo objectivo e documentado, as repetidas interpretações e omissões de Sua Excelência», justifica a firma de advogados.
A finalizar, o comunicado salienta que Souto Moura será «o responsável último» pelas «insuficiências ou hesitações» do processo Casa Pia.
O advogado Celso Cruzeiro considera ainda que Souto Moura tenta, através das suas declarações, derramar sobre Paulo Pedroso «culpabilidades imputáveis exclusivamente ao titular da acção penal do processo».