A versão humana da doença das vacas loucas pode transmitir-se através de transfusões sanguíneas, afirma a revista Lancet, na sua edição de hoje. A demonstração foi desenvolvida por investigadores do Instituto Veterinário de Edimburgo.
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A versão humana da doença das vacas loucas (chamada nova variante de Creuzfeldt-Jakob) pode transmitir-se através de transfusões sanguíneas, afirma a revista Lancet, na sua edição de hoje.
Para levar a bom termo a sua demonstração, os investigadores do Instituto Veterinário de Edimburgo começaram por dar a carneiros cérebro contaminado pelo agente de transmissão de «vaca louca» (os priões).
Sem esperar o eventual aparecimento dos sintomas, tiraram sangue de 19 destes animais e injectaram-no noutros carneiros.
610 dias depois dessas transfusões um dos carneiros submetidos a transfusão começou a mostrar sinais clínicos e patológicos dessa doença.
«Embora operada num único animal, esta observação pareceu-nos suficientemente importante para agora ser publicada, sem esperar que o estudo fique completo, o que poderia levar vários anos», escrevem os autores deste estudo.
Todos os outros animais sujeitos a transfusão estão actualmente de boa saúde, mas a maior parte, sublinham os investigadores, receberam dádivas de sangue, depois de adoecerem. Nenhuma informação precisa foi confiada sobre os animais que consumiram cérebro contaminado.
Estes trabalhos são tanto mais de tomar à sério que, por um lado, os animais dos quais o sangue foi extraído foram contaminados pela via mais natural, a via oral, e não, como geralmente se faz em laboratório, por injecções no cérebro de produtos contaminados.
Por outro lado, as transfusões sanguíneas que permitiram fazer passar os priões de um animal para outro constituem a primeira experiência com êxito de contaminação durante o período de incubação da doença.
«Há várias razões para inquietação» sobre a qualidade do sangue das pessoas em incubação da nova forma da doença de Creuzfeldt-Jakob, porque ele poderá ser infeccioso, constata, num comentário que acompanha o artigo o padre Paul Brown, um dos melhores especialistas no Instituto Nacional Americano da Saúde (NIH) na Bethesda.
Até agora, o novo diagnóstico da nova forma de doença de Creuzfeldt-Jakob só poderá fazer-se após a morte do doente, numa autópsia. Na ausência de qualquer possibilidade de despistagem da doença, e por maioria de razão, durante o seu período de incubação, os resultados obtidos em Edimburgo não vão provavelmente ter grandes incidências práticas em termos de saúde pública.
A maior parte das medidas de prevenção parecem, com efeito, ter já sido tomadas: as pessoas que receberam transfusões sanguíneas não podem dar o seu sangue, tal como as contaminadas pela forma antiga da doença, os doentes atingidos por outras encefalopatias espongiformes transmissíveis (EST) assim como as pessoas que tomaram hormonas de crescimento provenientes de cadáveres ou as que foram alvo de transplantes de medula cerebral.
A França reduziu consideravelmente o seu consumo de sangue e, há vários anos, «desleucocitiza-o», desembaraça-o dos glóbulos brancos antes de o transfusar, para evitar transmitir doenças bacterianas ou virais, mas também para se precaver com o risco eventual de contaminação pela nova forma da doença de Creuzfeldt-Jakob.
A única «solução» ainda concebível consistiria - como já o fez o Canadá - em proibir as pessoas que estiveram na Grã-Bretanha e susceptíveis de ter consumido carne de vaca de dar o seu sangue. Mas parece extremamente difícil de pôr em prática, e não forçosamente eficaz.