
A necessidade de fomentar o pensamento crítico, investir em literacia digital e o papel dos professores e pais: estas foram algumas das questões abordadas num evento que teve lugar no Multiusos de Gondomar.
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O Educare Gondomar - Education Summit 2024 quis trilhar o caminho para uma espécie de “novo amanhecer” na educação em Portugal, com a Inteligência Artificial (IA) como ferramenta principal junto de docentes, encarregados de educação e estudantes. Durante dois dias, mais de 700 inscritos passaram pelo Multiusos de Gondomar para fazer parte deste “momento zero”, onde a partilha de conhecimento entre profissionais de mais de uma dezena de nacionalidades, com estudantes e pais que tiveram oportunidade também de contactar com projetos inovadores, já deu frutos.
Luís Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal de Gondomar, anunciou que deste evento saiu o grupo de trabalho que irá criar um Observatório para a Inteligência Artificial na Educação que, acredita, terá um impacto direto na comunidade educativa. Trata-se de “aproveitar o que a academia trouxe a este evento e o trabalho que tem desenvolvido nesta área, declara.
Primeiramente, o trabalho será no sentido de uma maior consciencialização da comunidade para a volatilidade da progressão da tecnologia e, desta forma, trabalhar a literacia digital da comunidade escolar. Sobre possíveis investimentos, o vice-presidente julga que será essencial a aposta em formação para os professores.
“Balanço bastante positivo desta primeira Summit com grande afluência da comunidade”, Luís Filipe Araújo
Juntar a diversão à aprendizagem
O primeiro dia, sexta-feira, foi totalmente direcionado para os vários Agrupamentos de Escolas da região que tiveram oportunidade de colocar “mãos à obra”, principalmente, na codificação de jogos. A sessão de abertura esteve ao cargo do presidente do Município de Gondomar, Marco Martins, e do reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, que destacaram a premência destas novas tecnologias para a evolução da educação.
Já no sábado decorreram várias atividades em simultâneo, em diferentes espaços do Multiusos de Gondomar, como o workshop “Navegando o Mundo Digital: Um Guia para Pais” proferido pela presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), Mariana Carvalho, e por Miguel Oliveira da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). No salão principal, o destaque foi para o workshop em “Estratégias práticas para integrar IA na sala de aula”, com Diogo da Silva, diretor pedagógico do Visionarium e Mafalda Roxo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP).
Uma forma dinâmica de demonstrar que a Inteligência Artificial, através da validação de uma resposta a um problema simples, como 3x9, poderá servir como um “estímulo imediato” para que os mais novos tenham “fome de saber”, ou seja, desejem continuar a desenvolver as suas competências, pois não é necessário aguardar pela resposta certa, 27, afirmaram os facilitadores.
Habituado a utilizar o jogo Minecraft como uma estratégia em sala de aula, Diogo da Silva apresentou uma série de “aceleradores de aprendizagem” que, na sua ótica, permitem construir uma escola com base em dados. Desde o auxílio na leitura, passando pela interpretação de texto ou acompanhar o estado emocional dos alunos, antes e depois de um exame, estas ferramentas podem enriquecer quer a experiência dos alunos quer dos docentes.
Contudo, Mafalda Roxo frisou que a IA deve ser utilizada como uma espécie de “copiloto” em todas estas vertentes. Com a experiência da FEP como exemplo, a docente apresentou à plateia do Multiusos de Gondomar algumas das funcionalidades do Microsoft Copilot, que garante a privacidade e segurança dos dados, assim como um vislumbre da última versão do ChatGPT.
Nesta viagem, para que o “humano esteja sempre no comando” é fulcral a realização de “questões específicas” para uma melhor resposta sobre temas que são conhecidos do utilizador e sempre com a exigência, à máquina, das fontes em que baseou a sua resposta (artigos científicos, de opinião, entre outros). Antes da entrada da oradora principal, em outra sala decorreu o workshop “Moldando o Futuro: Políticas de IA na Educação”, ao cargo de Elda Marques (FEP) e Pedro Ferreira (FPCEUP).
A UE e a Inteligência Artificial
Que a União Europeia foi a primeira no mundo a regulamentar a Inteligência Artificial praticamente todos os presentes sabiam, porém, que este processo tem diversos sinais verdes, amarelos e vermelhos, talvez não fosse informação tão clara.
Numa espécie de “crónica do desassossego”, a eurodeputada Maria Marques Leitão Marques expôs os riscos e potencialidades desta que pode ser uma ferramenta importante, nomeadamente, na “modernização da administração pública”. A título de exemplo, com alertas para a renovação do Cartão de Cidadão ou identificação de zonas de risco, de modo a posicionar da melhor forma os recursos humanos escassos da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
O primeiro cartão vermelho foi atribuído a um potencial uso nas escolas, mais concretamente, do reconhecimento emocional dos alunos. Algo que a eurodeputada classifica como “inaceitável”. O mesmo acontece para identificadores biométricos, estando previsto, no regulamento de mais de 500 páginas, exceções no que toca ao auxílio para encontrar crianças desaparecidas ou criminosos.
Aplicações com recurso a IA para seleção de candidatos a instituições de ensino superior ou empregos, mas também para conseguir um seguro de saúde terão de ser “sujeitas a obrigações de transparência” e, em alguns casos, a um “estudo de impacto sobre os direitos fundamentais”, de forma a garantir que não existem critérios discriminatórios em termos de sexo e/ou religião.
No entanto, a eurodeputada não quis transmitir uma mensagem alarmista e elencou um exemplo positivo, levado a cabo na região do Minho, que ajudou a melhorar a vida dos portugueses. Trata-se do projeto da Escola de Medicina da Universidade do Minho, o Centro de Medicina Digital P5. Este trabalho permite aos utentes evitar viagens de vários quilómetros para conseguir uma consulta num centro de saúde, esta está agora à distância de um telefonema.
“Se me perguntarem se estou segura de que esta legislação será eficaz ou que é suficiente para nos proteger de alguns riscos da IA e garantir que não há excesso de vigilância sob as nossas vidas, não estou, mas com o conhecimento que temos neste momento, acho que fomos equilibrados nestas decisões”, declara. A eurodeputada socialista sublinha que estas regras não são aplicadas ao setor da investigação científica. “O que desejamos é que as pessoas confiem na tecnologia”, refere.
Questionada pelo público sobre se considera que a Europa poderá ficar mais isolada em relação aos Estados Unidos da América ou existir até um risco de perda de competitividade das empresas europeias em relação às sediados do outro lado do Atlântico, Maria Marques responde frisando que a “inovação é excelente, mas não a qualquer custo”, logo diz acreditar que há espaço para levar o “efeito Bruxelas”, que já contagiou positivamente o Japão, até aos decisores norte americanos.
“Temos de ser nós a controlar a Inteligência Artificial e não o contrário”, eurodeputada Maria Manuela Leitão Marques
Abordagens colaborativas para o avanço da IA na educação
“Educação é uma das cinco áreas que será mais impactada pela Inteligência Artificial”, quem o diz é Paulo Dimas líder do Centro para a IA responsável e vice-presidente da Unbabel. O especialista considera que a IA irá facilitar a vida dos professores no que toca ao planeamento das aulas, no auxílio para gerar questões e no caminho para um ensino mais personalizado.
Na ótica dos alunos, a inteligência artificial, em especial o ChatGPT, pode ser equiparado uma espécie de explicador privado que tem as seguintes caraterísticas: não julga qualquer questão que é colocada, tem uma paciência infinita o que pode ser vantajoso no caso de crianças com autismo e poderá ajudar a alimentar a curiosidade nas matérias.
De acordo com os últimos testes à capacidade de resposta da IA a perguntas de conhecimento geral, em 2024, a taxa de respostas certas está perto dos 90%, quando em 2019 não ia além dos 25%.
Tendo este panorama como base irá a IA destruir a espécie humana? Paulo Dimas confessa que considera essa ideia “ridícula”. Para o especialista que IA irá, sim, auxiliar o ser humano nas suas tarefas e trabalhos, nomeadamente, ajudar na decisão sendo que o fator “responsabilidade” irá recair sempre no “Homem”.
Nesta visão sobre o futuro hoje, Paulo Dimas alerta para o maior risco dos próximos três anos em que a IA poderá ser a chave que é a desinformação. O palestrante apresentou uma chamada áudio em que a voz do presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, foi manipulada para influenciar os norte americanos a não se deslocarem às urnas para votar.
Parentalidade na era digital
Num painel dominado por mulheres de diferentes nacionalidades e com experiências distintas, foi vincada a premissa de que é fundamental investir numa maior “literacia digital”, pois a Inteligência Artificial não pode continuar a ser “o elefante na sala”. Para Anouk Mols, da Universidade de Ciências Aplicadas de Utrecht, o “pensamento crítico deve ser desenvolvido desde cedo”, como uma espécie de semente que deve ser plantada e cuidada diariamente até florescer. Neste caso, o fruto será, a título de exemplo, a decisão de desinstalar o TikTok depois de o utilizar e chegar à conclusão de que está a perder demasiadas horas em frente ao ecrã. A investigadora frisou a importância de, em casa, pais e filhos discutirem e avaliarem conteúdos, assim como neste género de palestras, não existir apenas um foco nos riscos.
Louise Barkhuus, da Universidade de Copenhaga, realçou a necessidade de perceber que ferramentas de IA é que os alunos já estão a utilizar, apesar de isso não estar a contribuir, diretamente, para a melhoria dos resultados escolares. “Vai mudar a forma como olhamos para o ensino e a forma como avaliamos os alunos”, acredita, apontando especialmente para crianças com dificuldades na leitura ou dislexia leve.
Uma premissa defendida também por Goda Paskal, da AUK Learning, que sublinhou ser preciso deixar de proteger em demasiada as crianças e deixar que estas falhem para conseguirem lidar com o fracasso e, simultaneamente, confiar mais nos pais e professores utilizando o exemplo do forno quente para ilustrar esta convicção. Quando a questão é relacionada com o rastreio dos filhos, Goda apela à comunicação, para que esta prática, que para os progenitores poderá ser por segurança, pode ser, para os filhos, pisar a linha da invasão da privacidade. “O processo deve ser transparente”, frisa.
Perspetivas globais sobre IA na educação
Todas as revoluções industriais foram disruptivas e não há dúvidas que o mesmo deverá acontecer com a Inteligência Artificial a entrar em velocidade de cruzeiro. Para César Hidalgo, da Universidade de Toulouse, as mudanças na educação não serão significativas, contudo, as escolas devem estar atentas à “evolução”.
A mesma opinião tem Vladan Joler, da Universidade de Novi Sad, que volta o seu discurso para a importância de investir, sim, no pensamento crítico, de modo a que os jovens que saem das academias tenham ferramentas que os possibilitem a melhor compreender diferentes temáticas e posicionarem-se sobre as mesmas. Em suma, a ação deve ir além do “aprender a utilizar”.
Já Elana Zeide, da Universidade de Nebraska, acredita que a IA será útil para a educação, em especial para os professores conseguirem perder menos tempo com questões burocráticas. Contudo, alerta para o facto de a tecnologia evoluir a grande ritmo, logo o que será ensinado hoje provavelmente deixará de interessar dentro de um ano.
IA Unplugged
Uma escola com uma visão mais reativa e personalizada. Estas são as ideias base que saíram do painel “IA na Educação Unplugged: Um Exercício Colaborativo”. João Moreira, da FEUP, defendeu a necessidade de garantir que os alunos aprendem que necessita que ocorra uma mudança na forma de ensinar com base numa “visão reativa”. O docente deu o exemplo dos anos 90 em que poucos eram os alunos que saiam das universidades a saber programar. Quanto ao ChatGPT, compara o processo ao treino de um animal de companhia e pode ser utilizado até no desporto rei, o futebol, com abordagens sequenciais para simular como um jogador se comportaria numa equipa diferente e que valor lhe comportaria.
Matias Alves, da Universidade Católica Portuguesa, alertou para uma questão pouco debatida que é o abandono emocional/oculto que está relacionado com uma espécie de modelo único para a lecionação nas escolas públicas portuguesas quando o público é bastante heterogéneo. Para o docente, a IA poderá ajudar na “organização de ambientes”, ou seja, o papel do professor será cada vez mais “central” para construir um modelo de ensino personalizado com apoio da IA e assim “diminuir o tédio na sala de aulas”.
Rui Sousa Silva, da FLUP, como homem das letras que é, fez se acompanhar por uma “pilha de livros”. O docente começou a sua exposição com uma provocação: “um dia, os linguistas vão dominar o mundo”. Ora, para o académico é fulcral dar conhecimento aos mais jovens para que sejam capazes, sem recurso a IA, de ter capacidade de, a título de exemplo, vencer o prémio de 50 mil euros de um programa da televisão pública. O plágio é outra das questões que preocupa Rui Sousa Silva.
