
A descarbonização e a eficiência energética na cidade do Porto foram o foco da conferência "TECH4 Sustentability", subordinada ao tema "Mais Energia Limpa", que decorreu, no passado dia 25 de outubro, na UPTEC-Parque da Ciência e da Tecnologia da Universidade do Porto.
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Em cima da mesa estiveram as soluções já adotadas no terreno e os planos da Câmara Municipal, projetos em estudo, o trabalho e as inquietações da academia em relação ao futuro. E ainda a necessidade de uma maior aproximação aos cidadãos para o seu envolvimento nas ações que permitirão concretizar metas estabelecidas até 2030, em termos de utilização de energias limpas (energias de fontes renováveis que evitam a emissão de gases com efeito de estufa).
Uma "revolução" para mudar o paradigma
Do debate emergiu a ideia de que está em curso uma "revolução energética”, que colocará o Porto na vanguarda da descarbonização e no patamar das cidades que produzem a energia que consomem. Esta "revolução energética" está a ser levada a cabo pelos habitantes nas suas próprias casas, assim como por via das comunidades energéticas que já começaram a surgir, como disso é exemplo um projeto-piloto no Bairro da Agra do Amial. O objetivo passa por equipar, sempre que possível, os telhados das habitações sociais com tecnologia de produção de energia limpa de fonte fotovoltaica.
Para isso, é necessária uma “mudança de paradigma” na sociedade, defendeu Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto e responsável pelos pelouros do Ambiente e Transição Climática e da Inovação e Transição Digital.
O vice-presidente da Câmara, orador do primeiro painel da conferência, enumerou os projetos que estão a transformar a energia na cidade, iniciativa que contou também com o contributo do investigador Adélio Mendes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
“O Município do Porto está fortemente empenhado em mudar esse paradigma. Neste momento, a quem quiser passar a produzir energia fotovoltaica na cidade e instalar painéis, nós estamos a dar um desconto no IMI de 500 euros por cada kilowatt (kW) instalado. Ou seja, estamos a pôr dinheiro e temos cerca de oito milhões de euros disponíveis para financiar nos próximos anos esses investimentos”, declarou Filipe Araújo. O vice-presidente procurou, durante a sua intervenção, através de ideias “simples”, fazer passar a mensagem acerca do potencial do território para produzir energia limpa.
“Imaginem todos os telhados da cidade do Porto. Nos edifícios onde o Município puder colocar painéis, acho que devemos produzir energia. No Município, nós temos 50 bairros sociais, somos donos de 12% da habitação da cidade. Portanto, imaginem cerca de 12% dos telhados a produzir energia [limpa] e a alimentar as famílias que lá vivem. Com isso, melhoramos a sua qualidade de vida, até porque essas são as pessoas que, normalmente, vivem em pobreza energética”, disse, acrescentando: “isto parece ficção, mas há um bairro aqui ao lado [do polo universitário, onde decorreu a conferência], o Bairro da Agra do Amial, que já faz isto”.
Está em curso uma verdadeira "revolução energética”, que colocará o Porto na vanguarda da descarbonização e no patamar das cidades que produzem a energia que consomem.
A conferência “Mais Energia Limpa” incluiu uma visita ao referido bairro, orientada por um responsável da Agência de Energia do Porto, que garantiu que ali está instalada “a primeira e maior comunidade energética do país”.
“É a primeira no Porto e é a maior em vigor em Portugal. A nível nacional existem algumas dúvidas, porque existem pequenas comunidades com o mesmo número de contribuinte e que têm uma facilidade muito maior de serem feitas, mas com esta dimensão, com o número de membros, é a maior e a mais complexa”, afirmou, indicando que aquela comunidade foi criada no âmbito do projeto financiado pelos EEA Grants Asprela+Sustentável. Esta começou a funcionar no dia 2 de maio e implicou a colocação de painéis fotovoltaicos nas coberturas da habitação social, sendo que “a partilha é feita com os moradores e com a escola básica da Agra do Amial”. Até agora aderiram 55 moradores.
“Já conseguimos garantir uma média de autossuficiência, nos meses de maio, junho e julho, de 49%. Metade da energia já é produzida pela fotovoltaica e é partilhada. Isto significa uma redução global real, em média, na casa dos 46%”, informou aquele responsável, adiantando que “dessa energia produzida, ainda existe um excedente grande, 60%, que vai ser aproveitado por um contentor de baterias e carregadores de veículos elétricos que já estão instalados no bairro”. “Estão ambos à espera [de resposta], atualmente. Fizemos um pedido à Direção-Geral de Energia e Geologia, assim como para a entrada de mais 17 moradores. Aos poucos as pessoas estão a começar a entrar”, disse, recordando que, no total, existem naquele bairro 181 habitações.
O docente e investigador da FEUP, Adélio Mendes, enalteceu “a revolução” que está em curso. “A cidade do Porto tem vindo, de facto, a investir de forma consistente na descarbonização, simultaneamente baixando os custos da utilização da energia. Nomeadamente, as lâmpadas incandescentes foram todas substituídas, uma preocupação muito grande em introduzir painéis fotovoltaicos, gestão da energia, comunidades energéticas, produção de biogás”, afirmou.
Considerou ainda que “a academia pode fazer mais” pela transição energética. “A academia pode e, diria, deve fazer muito mais. E acho que é necessário todas as universidades terem um gabinete de políticas públicas, o que significa os investigadores interpretarem o que são as necessidades do país e as potencialidades para desenvolver soluções, que possam ser valorizadas na sociedade”, defendeu, alertando ainda para a necessidade de se acautelar o futuro dos materiais utilizados na produção de energia limpa. “Ouvimos dizer que os painéis fotovoltaicos são a última tecnologia na sustentabilidade ambiental, mas não é bem assim. De facto, produzem eletricidade a partir da energia solar, mas quando no fim de vida quisermos reciclar, os custos são muito elevados. É preciso desenvolver tecnologia, sob o risco de, daqui a 20 anos, termos montanhas de desperdícios porque não nos preocupamos em desenvolver tecnologia de reutilização desses recursos”, comentou.
Inovações tecnológicas na área das energias renováveis marinhas, comunidades energéticas e cogeração, estiveram também em foco, com os especialistas José Luís Alexandre e Francisco Taveira Pinto da FEUP.
Foi apresentado o projeto Se@ports que aposta no aproveitamento da energia das ondas para alimentação energética de zonas portuárias, contribuindo para a transição energética dessas mesmas infraestruturas, e tornando-as mais sustentáveis e autossustentáveis. O objetivo é que "estando essas infraestruturas às condições do ambiente marítimo, em particular à ação das ondas, faria todo o sentido desenvolver investigação para tentar aproveitar esse recurso energético e convertê-lo em energia elétrica para utilização dentro do próprio porto e, eventualmente, vender depois o excedente à rede elétrica nacional".
Francisco Taveira Pinto, da FEUP, apresentou um outro projeto denominado "Portos", que, seguindo a mesma linha, engloba, no entanto, o aproveitamento de todos os recursos renováveis dentro das infraestruturas portuárias. E que nasceu como solução, "olhando para o problema das alterações climáticas, da poluição e do elevado consumo energético que os portos têm".
Também foram destacadas soluções como a “auto gaseificação” de biomassa para utilizar em motores de combustão interna com produção simultânea de eletricidade e calor (calor + frio), produção de combustíveis sintéticos e-fuel e unidades de cogeração convencionais com utilização de gases renováveis.
O investigador da Secção de Fluidos e Energia do Departamento de Engenharia Mecânica da FEUP, José Luís Alexandre, defende que "estamos na presença de uma nova geração de unidades de cogeração, que podem utilizar gás natural com mistura de hidrogénio (H2NG) ou outro tipo de gases renováveis". E que, "numa fase inicial, estas misturas podem variar até 25%, mas, no futuro, a utilização de máquinas térmicas (motores) com 100% de hidrogénio é uma possibilidade muito viável".
É o seu entendimento que "a cogeração ou trigeração pode ser uma solução de tecnologia interessante, representando um futuro promissor, quer numa fase inicial com a utilização de gás natural, quer na utilização de misturas com combustíveis sintéticos (metano sintetizado)". Como exemplo prático, indica que o Hospital de São João tem uma unidade de cogeração a operar há mais de 12 anos com produção de eletricidade e calor.
Sentada na primeira fila a assistir à conferência, esteve Maria Armanda, uma cidadã que abraçou a causa. “Sou subscritora do Pacto do Porto para o Clima e tenho participado em todas as atividades que promovem. A partir do momento em que comecei a alargar os conhecimentos sobre Ambiente, cheguei à conclusão de que cada um de nós, no metro quadrado que ocupa, tem de desempenhar o papel de ministro do Ambiente, porque temos, não só que cuidar do Ambiente, como ajudar os outros a entenderem o perigo em que vivemos. Temos de exercer esse papel, senão não somos cidadãos de pleno direito”, defendeu.
