Consumidores querem participação ativa nas políticas de redução de dano no tabaco
Regular um mercado em transformação e adotar uma estratégia séria de redução de dano foram duas das medidas mais debatidas durante o Global Forum on Nicotine, que se realizou até sábado em Varsóvia, na Polónia.
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Quebrar a barreira do estigma e da avaliação moral na discussão sobre o consumo de tabaco é um dos grandes objetivos do Global Forum on Nicotine (GFN), nascido no Rio de Janeiro, no Brasil, em 2008. De lá para cá, a reunião anual de especialistas em saúde pública, consumidores, indústria do tabaco e membros do poder político tem vindo a aprofundar a conversa sobre as estratégias para a redução de dano, procurando pressionar governos de todo o mundo a disponibilizarem opções mais seguras aos cigarros tradicionais. "É tempo de os consumidores terem participação ativa na criação de regulação", advogou Tomás O"Gorman durante a última edição do GFN, que se realizou em Varsóvia, na Polónia, até ao passado sábado.
O advogado e ativista mexicano tem vindo a lutar contra o seu governo a propósito da tentativa de proibição dos cigarros eletrónicos, travada pelo tribunal constitucional, e critica a falta de envolvimento dos cidadãos, em particular daqueles que fumam ou usam produtos de nicotina alternativos, na definição de políticas públicas sobre este tema. Tomás O"Gorman defende ser preciso garantir "o direito dos consumidores a terem uma participação ativa no desenho das políticas de redução de dano", mas também na "regulação dos cigarros eletrónicos". Os oradores do painel "Nicotina mais segura: Direitos Humanos e Desafios Legais" concordam com a ideia e consideram mesmo que impedir os cidadãos de acederem a produtos alternativos - como cigarros eletrónicos, bolsas de nicotina, tabaco aquecido ou outros - "é uma negação do direito à vida por estarmos a criar uma situação que os força a usar um produto mais perigoso" como os cigarros tradicionais, aponta David Sweanor.
Formado em direito, professor universitário e há muitos anos envolvido na definição de medidas de saúde pública, David Sweanor compara a abordagem à redução de dano no tabaco com outras lutas, como o direito ao casamento homossexual ou o combate à epidemia da droga. "Quando olhamos para a forma como os direitos foram assegurados, ela passou, muitas vezes, por ter as pessoas a lutarem judicialmente", exemplifica. O especialista acredita, por isso, que é necessário apostar em processos judiciais para combater a proibição de produtos mais seguros no consumo de nicotina e mostrar aos diferentes governos que esta é uma questão de direitos humanos. "O direito à saúde é o direito a ter ferramentas que evitem danos à nossa saúde. É também o direito a ter acesso a estes produtos", acrescenta Gerry Stimson. O britânico, que dedicou uma parte da sua vida à luta pela redução de dano nas drogas ilícitas e na epidemia de VIH, diz ser essencial "escalar e construir parcerias" com instituições ligadas aos direitos humanos, mas também com quem trabalha a redução de dano noutras áreas.
"Estamos numa situação de doidos em que temos, por um lado, extremistas anti-nicotina que acham que estão a combater a indústria do tabaco, mas estão a impedir as pessoas de terem acesso a qualquer coisa que não sejam cigarros", lamenta David Sweanor.
Melhores produtos, melhor saúde
As estratégias de redução de dano não são uma novidade, ainda que enfrentem alguns obstáculos no campo do tabaco. A ideia é simples e já foi aplicada a outras áreas da sociedade, como o controlo da epidemia de VIH ou a luta contra as drogas - passa por criar um conjunto de medidas e práticas que permitam reduzir os danos associados ao consumo de tabaco tradicional nos fumadores que não conseguem, ou não querem, deixar de o ser. Neste mercado, isso significa, defendem os especialistas, disponibilizar alternativas livres de fumo que mantêm a nicotina, mas reduzem drasticamente os elementos tóxicos presentes. Aliás, o estudo recente promovido pela Philip Morris International (PMI), em conjunto com a consultora Povaddo, aponta que a larga maioria dos consumidores e não consumidores de nicotina em 22 países do mundo acredita que estas opções devem estar acessíveis à população.
Em Portugal, um dos países incluídos na pesquisa, cerca de 86% dos inquiridos concordam que os fumadores devem ter acesso a informação precisa e credível sobre alternativas sem fumo cientificamente substanciadas e que se assumam como melhor escolha para aqueles que continuem a fumar. "Estamos certos na ciência, estamos certos na razão e estamos certos no humanismo", sublinhou ainda David Sweanor, que pede mais "empoderamento" dos consumidores e menos estigma e crítica moral.