O vírus sincicial respiratório pode ser pouco conhecido, mas já está a ter um grande impacto na sociedade portuguesa. O debate sobre o tema juntou especialistas e cuidadores na Assembleia da República.
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O que faz um painel de representantes de profissionais da saúde, sobretudo médicos pediatras, ordens profissionais e científicas, economistas da saúde, pais e autarquias na Assembleia da República a discutir o vírus sincicial respiratório (VSR)? Promovem o debate e conhecimento sobre um dos agentes respiratórios mais contagiosos, que afeta principalmente bebés e crianças e causa bronquiolite (inflamação dos bronquíolos) e pneumonia.
Por considerarem elevados os danos para a saúde pública e os custos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), decidiram integrar um "think tank" (tanque de ideias, em tradução livre) que pesquisou, analisou e desenvolveu propostas para "inspirar à mudança" no que diz respeito ao combate do VSR, nomeadamente através do reforço de medidas de literacia, de redução da disseminação do VSR e farmacológicas. Neste último caso está a recomendação para uso de um método preventivo universal contra o vírus que seja disponibilizado de forma equitativa para todas as crianças.
Entre 2015 e 2018 foram registadas 15.214 hospitalizações em crianças abaixo dos cinco anos e em 95% dos casos eram crianças saudáveis
Com a elaboração de um documento de consenso apresentado no auditório Almeida Santos, no Parlamento, o painel de especialistas afirma ter dado "um primeiro passo para o envolvimento e consciencialização da sociedade civil e entidades decisoras no âmbito da infeção por VSR em Portugal" e que a unanimidade de quem o redigiu e subscreveu sirva de veículo promotor de discussão mais alargada que una diferentes entidades num propósito comum - contribuir para um melhor início de vida de todas as crianças".
O simbolismo do local escolhido para a conferência "Prevenção do VSR - Uma Prioridade Nacional de Saúde", onde as diversas sensibilidades do grupo de especialistas se apresentaram, não foi pura coincidência, até porque na plateia e num dos painéis de discussão estavam deputados da comissão de saúde da Assembleia da República.
Internamentos e impactos socioeconómicos
Para demonstrar o peso da doença associada ao VSR, vários pediatras de diversos pontos do país testemunharam o aumento substancial de internamentos de crianças nas últimas semanas. A época favorável para contágios estende-se de novembro a março e foi sobre esse período, entre 2015 e 2018, que incidiu um estudo agora apresentado sobre a ocupação pediátrica de unidades hospitalares públicas, potencialmente relacionada com o vírus. Foram registadas 15.214 hospitalizações em crianças abaixo dos cinco anos e em 95% dos casos eram crianças saudáveis.
Gustavo Januário, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, debruçou-se particularmente sobre os bebés e afirmou não ter dúvidas de que o vírus é a principal causa de hospitalização nas crianças com menos de um ano de vida e que a gravidade da infeção é imprevisível. "A faixa etária abaixo dos seis meses representou dois terços dos casos e 72% foram considerados graves, tendo sido necessário administrar oxigénio e ventilação mecânica ou não invasiva. A média de dias de internamento foi cerca de cinco dias. O VSR foi responsável por 7.243 hospitalizações e nove mortes associadas", afirma.
"Alguém tem de tomar conta destas crianças e, analisados os custos de falta de produtividade, foi apurado um valor global de cerca de 2.600 euros"
O presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde apresentou os custos estimados do impacto direto suportado pelas famílias, concluindo que entre medicamentos e gastos de transporte ou deslocações rondaram os 300 euros. No entanto, o estudo apurou ainda que cada criança sofre de infeção respiratória, em média, quatro vezes, o que torna o impacto superior, sobretudo quando acrescentados os dias de absentismo ao trabalho. "Alguém tem de tomar conta destas crianças e, analisados os custos de falta de produtividade, foi apurado um valor global de cerca de 2.600 euros", concluiu Eduardo Costa, lembrando que é preciso juntar a estes custos as despesas do SNS com o recurso às urgências e aos internamentos. Para os três períodos estudados (novembro a março de cada ano), e apenas relacionado com hospitalizações causadas pelo VSR, foi apurado um valor que ultrapassa os sete milhões de euros.
O exemplo da Madeira
A acrescentar aos argumentos técnico-científicos e económicos, Bruna Gouveia, Diretora Regional de Saúde da Madeira, apresentou a situação pioneira que a região autónoma representa no país: estão a realizar, desde novembro, uma campanha de imunização universal e gratuita de todos os bebés, utilizando um novo fármaco aprovado recentemente pela Agência Europeia do Medicamento. E já se veem os resultados: "no que diz respeito à hospitalização, comparativamente à época 2022-2023, no total de crianças internadas, notamos já uma redução especificamente relacionada com o VSR na ordem dos 40%".
O exemplo da Madeira e as palavras de Bruna Gouveia foram acompanhadas com particular interesse no auditório, sobretudo pelo painel de especialistas que gerou esta discussão e o debate, que defende o alargamento da medida ao Continente, algo sobre o qual nem a Direção Geral da Saúde nem o Infarmed se pronunciaram até ao momento.
A Madeira está a realizar, desde novembro, uma campanha de imunização universal e gratuita de todos os bebés, utilizando um novo fármaco aprovado recentemente pela Agência Europeia do Medicamento
Marta Valente Pinto, responsável da Comissão Técnica de Vacinação (CTV) da Direção-Geral da Saúde, referiu que a Madeira pode tomar, de forma autónoma, decisões deste tipo, sendo que está a acompanhar o caso e espera que os resultados alcançados possam ajudar os próprios trabalhos da Comissão Técnica de Vacinação. "Como pediatra não posso, obviamente, descurar e não dar importância ao vírus sincicial respiratório. Mas, enquanto presidente da CTV, tenho de ter uma visão muito alargada. O que recomendo como pediatra nem sempre tem condições de recomendação tão universal por uma comissão para o todo nacional", conclui Marta Valente Pinto.
TSF antecipou linhas de debate
Ao longo da semana que antecedeu a conferência "Prevenção do VSR - Uma Prioridade Nacional de Saúde", a TSF escutou diversos elementos que integraram o "Think Tank - Inspirar à Mudança", alguns dos quais foram intervenientes no debate na Assembleia da República e, por antecipação, focaram os temas mais relevantes desta temática. Teresa Bandeira, Coordenadora de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, começou por testemunhar o "enorme" impacto do VSR nos internamentos.
Manuel Magalhães, médico da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Centro Materno-Infantil do Norte, apresentou o grupo de especialistas que decidiu ser tempo de agir e debater a prevenção do VSR.
O caso pioneiro da Madeira, que já está a imunizar os bebés para o VSR nos centros de saúde e no Hospital Nélio Mendonça, no Funchal, foi tema de conversa com a Diretora Regional da Saúde. Bruna Gouveia destacou a prioridade de imunizar os bebés que estão a enfrentar o primeiro inverno.
Para analisar os diversos impactos das infeções pelo vírus sincicial respiratório foram feitos estudos inovadores que revelaram a carga da doença e os custos associados para as famílias e para o Serviço Nacional de Saúde. Um professor e investigador de Economia da Saúde e um pediatra explicaram a matéria.
Ricardo Mexia, médico, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e autarca explicou, imediatamente antes do debate que teve lugar no parlamento português, porque é importante aumentar a perceção da população e dos decisores para o vírus responsável pelas bronquiolites agudas e pneumonias e para a necessidade de prevenção.