"Não há nada que seja impossível para um doente com Esclerose Múltipla"
A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa que é mais comum no jovem adulto. A diversidade de sintomas e a ausência de indicadores específicos dificultam o diagnóstico. A sua evolução é, também, muito variável e impossível de prever.
Corpo do artigo
"É preciso passar a mensagem que a Esclerose Múltipla não é uma sentença". As palavras são de Sónia Batista, neurologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), e Professora Auxiliar convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
A Esclerose Múltipla é uma doença prevalente na idade mais produtiva da vida, uma vez que o diagnóstico, em muitos casos, surge entre os 20 e os 40 anos. Apesar desta evidência científica, Sónia Batista considera que esta é uma doença tratável. "Se fizermos um diagnóstico precoce e tratarmos adequadamente e no momento certo, podemos prevenir que essas pessoas, em idade ativa, desenvolvam sequelas e incapacidade, ou seja, que continuem ativas na sua vida profissional, social, familiar".
No entanto, o entendimento da doença a nível social não é assim tão linear, daí que a médica neurologista do CHUC sublinhe a necessidade de desmistificar esta doença. "Quem recebe este diagnóstico não está condenado a ficar incapacitado e a desistir dos seus sonhos. A Esclerose Múltipla é uma doença que dispõe de muitos tratamentos, logo, um diagnóstico precoce e um tratamento, também precoce, permitem que a pessoa continue a viver a sua vida plenamente".
A imagem que ainda está associada à Esclerose Múltipla é a de incapacidade e de dependência, "alguém que não consegue fazer a sua atividade profissional e que não vai ser uma pessoa ativa na sociedade". Uma ideia totalmente errada e ultrapassada, assegura Sónia Batista. Ainda assim, depara-se, muitas vezes, com casos em que é o próprio doente, o primeiro a demonstrar receio.
"O que vejo, na minha experiência diária, é que sempre que comunico este diagnóstico, a primeira reação, que é a mais comum na sociedade é 'ok, então eu vou ficar em cadeira de rodas'. Tenho sempre de fazer, enquanto clínica, esse trabalho de desmistificar, de garantir que essa é uma imagem do passado, de quando não havia tratamentos. Costumo dizer que não há nada impossível para um doente com Esclerose Múltipla".
Diagnóstico precoce e coresponsabilização são fundamentais
A Esclerose Múltipla é uma doença cuja evolução beneficia muito de decisões tomadas na hora certa. "Está demonstrado que quanto mais precoce é o início do tratamento, melhor é o prognóstico, ou seja, menos é o risco de esse doente vir a desenvolver incapacidade", aponta Sónia Batista. Isto porque os medicamentos existentes são apenas capazes de prevenir a ocorrência de novos surtos, não de reverter sequelas.
Assim, é importante que os tratamentos comecem numa fase em que a pessoa não tenha nem danos cerebrais, nem danos medulares. "Na Esclerose Múltipla, tempo é cérebro. Ou seja, quanto mais tempo perdemos, mais cérebro está a ser danificado pelo processo inflamatório que caracteriza a doença, e mais sequelas resultarão para o doente. Depois é uma espiral de consequências negativas".
O doente com Esclerose Múltipla pode e deve ser um agente ativo no controlo e prevenção do seu estado de saúde. As perspetivas mais otimistas só se concretizam quando a responsabilidade é partilhada e assumida, em igualdade de circunstâncias, por ambas as partes, médico e paciente.
Sónia Batista pratica a coresponsabilização com os seus doentes, afirmando-lhes que estes tratamentos funcionam como se fosse um seguro de saúde, ou seja, que os benefícios são de longo prazo: "Muitas vezes, os doentes estão a sentir-se bem no momento, num intervalo de surtos, e questionam-se porque é que é precisam dos tratamentos. É muito importante que estes estejam envolvidos, que lhes seja explicado quais são os fármacos disponíveis, como é que eles atuam, o que é que vamos ganhar, o que é que está aqui em causa, etc. Se o doente não perceber isto e não cumprir o tratamento obviamente que este não pode funcionar".
Quanto mais envolvido o doente estiver no processo de decisão do seu processo clínico, mais flexibilidade terá o médico para escolher o melhor tratamento e o mais adequado. "Existem várias opções, por isso podemos ser flexíveis, e envolver o doente e ajudá-lo a escolher. Cada vez mais fazemos uma medicina personalizada, tentamos escolher o fármaco mais adequado à doença - que era o que se fazia antigamente - mas ao doente também", afirma a médica.
O que pode o doente esperar dos tratamentos?
No espaço de uma década, o cenário terapêutico mudou radicalmente. Se antes as respostas para a Esclerose Múltipla eram limitadas na forma e na eficácia, atualmente as hipóteses são não só mais eficazes, como mais seguras, na medida em que não vão causar outros problemas de saúde.
Há, também, mais opções em termos de posologia: "Já não há só fármacos injetáveis, como antigamente, há fármacos orais, com diferentes esquemas posológicos, alguns são administrados mensalmente ou semestralmente, e até anualmente. Antigamente era aquilo, e aquilo mesmo, e agora há um enorme leque de opções, que permitem encaixar-se melhor no estilo de vida de cada doente em concreto, encaixar-se àquela individualidade". Sónia Batista acrescenta ainda que "há sempre um fármaco certo, para o doente certo e se não for à primeira tentativa, experimentamos outro. Atualmente, já podemos conseguir que a doença fique em remissão".
Esclerose Múltipla na primeira pessoa
2021 ficará marcado na vida de Ana Margarida Felício como o ano em que descobriu ser portadora de Esclerose Múltipla. No início do verão, o diagnóstico foi confirmado na sequência de episódios de visão dupla. Mas este não foi o único sintoma, ainda que os outros fossem compatíveis com outras patologias.
Os sinais de que algo estava errado surgiram dois anos antes do diagnóstico. Ana consultou um médico, mas não viu, na altura, identificada a origem do mal-estar. Quando, em 2021, teve que ser hospitalizada, a visão dupla que sentiu deu pistas e depois de testes e exames chegou a confirmação. Quando escutou do médico que é portadora de Esclerose Múltipla, Ana Margarida Felício não esmoreceu, nem estremeceu. Um caso no círculo familiar já lhe havia revelado os contornos da doença.
No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde é seguida, sente um acompanhamento sem precedente. "Tomo umas vitaminas extra e tive que fazer um tratamento modificador da doença, mas no meu dia a dia, na minha rotina, a doença não me afeta minimamente", afirma Ana que, aos 24 anos, estuda e tem uma vida perfeitamente normal. "Falamos sempre sobre a medicação que tomo, a minha médica explica-me as opções disponíveis e decidimos, em conjunto, o que é que vai ser mais indicado. No início, a minha médica apresentou-me três tipos de medicação diferentes, explicou as características de cada uma, os efeitos secundários de cada, qual a mais indicada para mim. Depois, eu fazia a escolha".
Apesar de a vida pouco ter mudado, Ana ainda recebe algumas reações que diz não fazerem sentido. "Quando digo que tenho Esclerose Múltipla, às vezes, as pessoas ficam com pena de mim, de pé atrás e com cara de pena, mas isso não faz sentido". Para derrubar ideias erradas, Ana diz que dá a cara e a voz pela doença para que não sejam criados mitos: "É muito importante falar, até por causa das pessoas a quem a doença foi diagnosticada há pouco tempo, para terem noção e ouvirem de nós, que já temos Esclerose Múltipla, que já não estamos no mesmo ponto". Aos doentes recém-diagnosticados aconselha: "Tenham calma, ouçam os médicos e continuem a viver. É também importante ter noção que, apesar de alguma capacidade se poder perder ao longo do tempo, tem de se aproveitar a vida ao máximo, fazer o que queremos fazer e quebrar preconceitos".
Uma iniciativa da Novartis em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM).