A edição deste anos do Festival Novo Cinema /Novos Realizadores, tem um elenco recheado de gente que pode explicar como fazer filmes.
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No ano em que deixa de ser adolescente, o FEST, em Espinho, vai ser mais feminino, e mostrar vários dos detalhes que são necessários para fazer filmes
É a 20ª edição do Festival do Novo Cinema/Novos Realizadores, e entre os convidados deste anos, estão profissionais de todos os cantos do mundo. Desde um realizador palestininao que é presença constante no FEST, até um indiano que faz filmes à margem da tradição de Bollywood, passando por um antigo ator que passou a coreógrafo de cenas íntimas.
Nas diversas secções, competitivas ou não, do FEST, vão ser mostrados 250 filmes, e realizadas dezenas de conversas sobre as diferentes maneiras de fazer filmes.
O festival decorre de 24 de junho a 1 de julho, em Espinho.
A TSF falou com o diretor de programação, Fernando Vasquez sobre o que está a mudar no cinema, e como o FEST pode mostrar essa mudança.
O que é o Festival do Novo Cinema, Novos Realizadores e o que é que é o novo cinema? Os filmes não são todos novos?
Os filmes são todos novos. O que nós queremos dizer com a expressão é que nos focamos acima de tudo na descoberta de novos talentos. Por isso, estamos aqui a falar, acima de tudo, de autores que são completamente desconhecidos do grande público, e que estão ainda a trabalhar, seja no formato curta-metragem, ou na sua primeira ou segunda longa-metragem. O que nós queremos é criar uma janela que nos mostre o futuro do cinema. O primeiro passo dos novos autores do futuro.
E quem são eles, os que vêm este ano?
São muitos. Temos mais de 250 filmes em exibição este ano e temos autores de todas as partes do mundo. Na realidade, alguns até são regressos. Um deles é um caso que para nós é enigmático, porque nós temos o poder de um novo cinema independente indiano. A Índia tem uma cinematografia muito associada aos musicais de Bollywood e aqueles filmes muito extravagantes, mas há muito mais que isso. É um país gigante, com uma enorme corrente cultural, e há aqui o caso do Vinothraj PS, que é um autor cuja primeira longa-metragem já tinha sido exibida no FEST em 2021, na altura da pandemia, e que regressa agora com um filme chamado “The Adamant Girl” que é um filme que nos fala sobre o poder das tradições e da superstição, e a forma como isso funciona como uma espécie de corrente ao desenvolvimento da mulher na Índia, acima de tudo, nos meios rurais. Acaba por se um tipo de autor que, apesar de ser um homem, nos diz muito sobre o programa deste ano, que é um programa extremamente feminino. A nossa competição de longas metragens é maioritariamente composta por temas femininos e por autoras.
Realizadoras?
Realizadoras! O caso da Stefanie Kolk, que é uma nova realizadora holandesa que nos traz um filme chamado “Melk”. É também um caso enigmático, dos filmes mais originais que nós vimos o ano inteiro e que virou do avesso, o Festival de Veneza no ano passado. Porque é um filme que nos fala sobre uma mulher que perde um bebé pouco tempo antes de dar à luz e que depois tenta doar o seu leite materno que já estava a produzir e encontra enormes obstáculos em todo o processo de doação de leite materno. Aparentemente, é uma questão muito, muito complicada na Europa, e aquilo acaba por ser uma espécie de metáfora da forma como ela lida com a perda do bebé porque, à medida que o frigorífico vai enchendo de biberões com leite, a dor também vai crescendo e a forma como ela lida com ela também se vai desenvolvendo. São dois bons exemplos, mas temos também o nosso filme de abertura, que é um dos filmes competitivos. A nova obra do Gustav Möller, que é um autor sueco que há uns anos fez furor com a sua primeira longa metragem que venceu o Festival de Sundance com um filme chamado “O culpado” e que regressa agora com “Sons”, sobre uma maneira de uma guarda prisional trabalha numa prisão que recebe alguém que lhe fez muito mal no passado e ela acaba por vingar-se. E o Gustav Möller é um dos grandes nomes que, inquestionavelmente vai ser um nome de referência nos próximos anos.
O FEST, tem há muitos anos uma demissão que é mostrada pelo número de filmes candidatos a exibição. Isso mantém-se?
Mantém-se e cresceu brutalmente este ano. Nós recebemos mais de 4500 submissões.
Como é que se faz uma seleção para 250?
É muito, muito complicado. E nós temos uma equipa bastante alargada de programadores. É um processo de cerca de oito ou nove meses, mas mesmo assim sobram muitos filmes para cada um de nós e é sempre um processo complicado porque no fundo, se nós queremos ser a tal janela para o futuro temos que exibir um bocadinho de diferentes formatos, qualidade, de diferentes discursos cinematográficos, de diferentes géneros e de diferentes países, também diferentes filmografias. O que nos obriga a um trabalho muito intensivo de discussão, de análise de filmes, de discussão... E temos que acompanhar muito o que está a acontecer na cena Internacional e nacional. É trabalho do ano inteiro mas bastante complexo.
Quais são os prémios e quais são as orientações desses prémios? O que é que se procura com eles?
Os nossos prémios, acima de tudo, estão ligados às grandes competições. A competição do Lince de Ouro é para ficção e documentário, no caso das longas metragens e do Lince de Prata, no caso das curtas-metragens internacionais. Temos o Grande Prémio Nacional, que é focado exclusivamente em obras de portugueses. E porque estamos a trabalhar com jovens autores - jovens ou novos autores, nem sempre são jovens - as orientações que o nosso júri tem são, acima de tudo, no sentido de perceberem que não existe um conjunto de condições uniformes no mundo inteiro, e que os novos autores, às vezes, trabalham com muito financiamento e outros trabalham com muito pouco. Por isso estamos à procura e queremos que eles reconheçam uma voz clara de um autor, seja com muitas condições, ou com poucas condições. No fundo, é possível fazer bom cinema em qualquer uma destas circunstâncias e o grande desafio deles é exatamente conseguir identificar essas vozes nos trabalhos que nós já fazemos até certo ponto no processo de programação, mas é um júri que tem que definir. No fundo, quem são os vencedores.
Já se percebe aqui que há obras com alguma dimensão de orçamento?
Sem dúvida. Há países que, nesse sentido, estão muito à frente. É o caso da Alemanha. Não só é uma das grandes indústrias europeias, mas é também uma indústria que cria condições, por exemplo, para trabalhos académicos que são superiores a alguns trabalhos profissionais em Portugal, a nível de orçamento. Isso mais uma vez, não quer dizer que depois se reflita necessariamente na qualidade e no mérito artístico dos projetos. E vai-se vendo aos poucos, em todos os países, principalmente no contexto europeu, há um crescimento claro. Portugal não é excepção e, nesse sentido, ainda bem. Finalmente não é excepção, apesar de existirem claros diferenças.
O FEST anuncia novos realizadores, mas há muita gente convidada para falar na edição deste ano que não é necessariamente realizador. Um realizador já está longe de ser aquela pessoa que está obrigatoriamente atrás da câmara a coordenar o trabalho?
Isso também é um mito. No fundo, o realizador sempre teve que ser alguém que que tinha a capacidade de perceber um bocadinho de tudo, mas acima de tudo, ia buscar as pessoas corretas para desempenhar cada uma das funções da equipa. É um gestor. Obviamnete que há realizadores e realizadores, há autores, e alguns realizadores cumprem várias funções, não só na direção da equipa. Eu acho que, à medida que há mais gente a trabalhar em cinema, vai-se desmistificando também o papel do realizador e também vai-se desenvolvendo cada uma das outras áreas, que é um pouco que nós também tentamos fazer no FEST. Virando o foco para outras áreas para além da realização, para além de reconhecer o mérito de cada um destes profissionais que desempenham papéis absolutamente fundamentais na qualidade dos filmes.
E que vêm cá transmitir conhecimento. Estamos a falar de argumentistas, de responsáveis de casting ou até de um coordenador de intimidade, não é?
Exatamente. Esse é um dos casos curiosos e o coordenador da intimidade no fundo é alguém que cria um conjunto de condições favoráveis e justas e seguras para a filmagem de cenas mais íntimas, cenas de nudez, cenas de relações sexuais.
É um coreógrafo?
No fundo, sim. Alguém que define quantas pessoas é que podem entrar no set enquanto essas cenas são filmadas, o tipo de diálogo que é preciso ter com os atores que depois tem que fazer essa performance. É uma posição relativamente nova, mesmo dentro das grandes indústrias. Vamos ter presente o David Thackeray, uma das grandes autoridades nessa área. Ele é um ator que acabou por se especializar um bocado nesta área. Ele tem trabalhado acima de tudo no formato série, em “The Crown” e em “Sex Education”, ambas muito reconhecidas. Ele vem explicar isto, não só para a nossa audiência internacional, mas também para a nossa audiência nacional. Será inevitavelmente uma sessão muito interessante, porque muitas das produções que são feitas, por exemplo, em Portugal, não têm condições financeiras para contratar alguém para desempenhar essa função. Mas isso não quer dizer que os outros, os realizadores, produtores, etc., não tenham que ter a atenção a vários dos aspetos do seu trabalho. Por isso, vai ser, sem dúvida, um dos pontos altos deste ano, exatamente para que se comecem a criar também essas condições cá em Portugal.
Mesmo um diretor de casting, hoje em dia, tem um poder incrível dentro de uma produção...
Sim e vamos ter, por exemplo, João Monteiro que é um dos grandes nomes da direção de casting em Portugal. Sempre foi uma área que nós trabalhamos muito até porque nós, quando éramos estudantes de cinema e quando trabalhávamos em cinema, o casting foi sempre um dos aspetos mais complicados. Como perceber exatamente qual é ator verdadeiramente adequado para determinado papel e como trabalhar. É uma das tarefas mais difíceis e é fácil de descuidar. Outro caso, presente este ano, é o Skandar Copti, um realizador palestiniano, provavelmente o grande nome do cinema palestiniano. Ele venceu a Câmara de Ouro no Festival de Cannes, com um filme chamado “Ajami” (2009). É um caso também muito especial, porque ele já veio várias vezes ao FEST. Ele filmou esse filme na Faixa de Gaza com atores não profissionais e basicamente a forma que os que encontrou dos preparar foi desenvolvendo um workshop que prepara amadores para trabalhar num contexto profissional. Ele vem reproduzir esse workshop de x em x anos ao FEST na perspetiva do realizador e do diretor de casting.. ISTO é, Na Na perspetiva de quem os e do direito de assim também de quem vai preparar os autores para isso. Acho que será uma enorme mais valia no nosso contexto, onde muitas das vezes também as produções nacionais têm que trabalhar com atores não profissionais, e aqui podem captar uma série de conhecimentos e uma série de técnicas para as preparar convenientemente.
Quem é que pode assistir a todos estes momentos do programa, sejam os filmes ou os workshops? É preciso fazer uma inscrição prévia?
O FEST está aberto a toda a gente. A grande massa que está mais interessada em participar no que nós chamamos atividades industriais - masterclass, pitching forum – é gente ligada ao cinema. Mas a ideia é desmistificar completamente a indústria, por isso nós estamos abertos a toda a gente que está interessada em conhecer melhor e a começar a trabalhar em cinema e no setor audiovisual. Tudo o que têm que fazer é irem ao nosso site FEST.pt, registarem-se, e a partir daí, o processo começa e têm uma série de atividades para escolher, de acordo com o seu interesse e as prioridades.
Com 20 anos, já há uma ideia de como é que o FEST mexe com a cidade de Espinho?
De forma brutal, Apesar de Espinho ser uma cidade que muda muito no Verão por causa de ser uma estância balnear, ter grandes ligações a desportos de praia, acima de tudo, o vólei, muda demograficamente. O nosso evento é talvez o festival de cinema mais Internacional em Portugal. 80% da nossa audiência costuma ser não portuguesa. Por isso, muda radicalmente durante aquela semana. Temos gente de todos os cantos do mundo e a cidade acaba por ser dominada pelo evento, seja a nível das atividades culturais, da exibição e das masterclasses, como já aqui falamos, mas também das festas, dos concertos e do espírito da cidade. Muda bastante a praia de Espinho durante aquela semana.