Para contar a história da Lello, é preciso recuar mais do que os 110 anos deste edifício. José Manuel Lello, bisneto do fundador, é o cicerone das memórias. O engenheiro que desenhou a livraria foi o primeiro presidente da Câmara do Porto do regime republicano.
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Emblemático, imponente e ao mesmo tempo acolhedor, o edifício da Lello guarda histórias de arte e de republicanismo. Estamos em 1881. "O meu bisavô e o irmão resolveram sair do Douro, onde eram lavradores abastados, e vir para cidade do Porto, onde abriram uma livraria", conta José Manuel Lello.
Instalaram-se mais abaixo, perto da rua do Almada e no fim da década de 90, compraram a Chardron, uma grande casa editora do Porto.
Em 1904, compram este terreno e o projeto de construção é entregue ao engenheiro Francisco Xavier Esteves, que, em menos de dois anos, faz a Lello no estilo neogótico, um estilo pouco vulgar no Porto: "Faz-se um elogio desse estilo como sendo o mais durável e mais bonito e uma comparação ao Mosteiro da Batalha, ou seja, não havia grande modéstia, mas a intenção de fazer algo de extraordinário e completamente diferente".
Nasceu um espaço de letras e de artes feito pela vontade fervilhante de um grupo de republicanos.
Xavier Esteves foi deputado, foi ministro e foi o primeiro presidente da Câmara do Porto no regime republicano. Afonso Costa, um dos grandes responsáveis pela implantação da República, estava aqui no dia da inauguração e Guerra Junqueiro foi o primeiro a assinar o Livro de Ouro da Lello, onde deixou uma dedicatória. José Manuel Lello cita de cabeça: "Aos meus amigos e correligionários irmãos Lello que fizeram esta grande obra pelo progresso e pela democracia". Eram "assumidamente amigos e correligionários".
Outro republicano, Aurélio Pais dos Reis, conhecido como o pioneiro do cinema em Portugal, fotografou a festa de inauguração há 110 anos. Esta escadaria, "fantástica", não escapou à lente.
Sobe-se por uma só parte e depois ela divide-se em dois: tem duas saídas para o piso de cima. "Tivemos a sorte de Xavier Esteves ser uma das primeiras pessoas a trabalhar em ferro e em betão armado, o que permitiu que esta escadaria tenha só três pontos de apoio (um em baixo e um de cada lado em cima), o que permite que ela tenha este aspeto etéreo", sublinha o bisneto do fundador. Parece que está "a voar".
A escadaria é o coração da Lello, onde o olhar também se perde no vitral do teto e em todos os elementos de arte déco da livraria, em cada pormenor, em cada curva das madeiras, em cada página dos livros que parecem ganhar vontade de saltar das estantes