Ana Paula Tavares, vencedora Prémio Camões 2025: "Tenho notado uma grande preocupação com escrita"
O anuncio da vitória foi feito pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB)
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Ana Paula Tavares, autora de uma vasta obra literária que se destaca pela poesia, mas também pela prosa e de textos científicos, venceu a edição deste ano do Prémio Camões. O nome da escritora angolana foi escolhido numa reunião que juntou todos os elementos do júri: a poeta e investigadora Ana Mafalda Leite (Portugal), o escritor e professor José Carlos Seabra Pereira (Portugal), o ensaísta, professor e crítico literário Francisco Noa (Moçambique), o historiador e professor Arno Wehling (Brasil), a professora Maria Lucia Santaella Braga (Brasil) e o poeta e crítico literário Lopito Feijóo (Angola). Num comunicado divulgado pela DGLAB, o júri refere que ao atribuir este prémio a Ana Paula Tavares, é distinguida “a sua fecunda e coerente trajetória de criação estética e, em especial, o seu resgate de dignidade da Poesia”. Sublinha ainda o júri que, "com a dicção do seu lirismo, sem concessões evasivas e com os livres compromissos da produção em crónica e em ficção narrativa, a obra de Ana Paula Tavares ganha também relevante dimensão antropológica em perspetiva histórica”.
Em entrevista à TSF, Ana Paula Tavares revela que ficou muito surpreendida com o facto de ser a vencedor do Prémio Camões. A autora afirma que por momentos é difícil acreditar que foi a selecionada, mas acredita que é algo que pode ajudar a engrandecer mais o estilo literário que é a poesia.
"Eu ainda não tive tempo de pensar muito bem na dimensão do que me está a acontecer, porque nunca me passou pela cabeça que seria escolhida. A importância que tem é para toda a gente que trabalha a língua portuguesa e que atribui à poesia uma dimensão maior. O prémio vem trazer esse reconhecimento e a possibilidade de continuar a escrever e a respeitar a palavra. Essa ideia da palavra que para mim é muito importante."
Ana Paula Tavares vive atualmente em Lisboa, mas nasceu em Angola, na cidade de Lubango. Tornou-se na primeira mulher angolana e a terceira pessoa de nacionalidade angolana a vencer o Prémio Camões. Apesar de estar contente pela conquista, a poetisa refere que em Angola há cada vez mais dificuldades em trabalhar a escrita da Língua Portuguesa. Refere que os produtos usados para produzir livros são exportados e que isso tem feito com que os livros estejam a ficar cada vez mais caros ao longo dos anos, em Angola.
"Independentemente do prémio, eu tenho notado uma grande preocupação com escrita, com propostas novas da parte das mulheres, das angolanas e dos jovens em geral. Claro que há muitos problemas que poderíamos discutir, problemas em relação à escola, à dificuldade da leitura. O livro transformou-se no meu país num objeto caro e, portanto, há muitos problemas, mas há muita vontade de escrever."
Sobre o futuro da escrita angolana, Ana Paula Tavares espera que esta vitória do Prémio Camões incentive a população a trabalhar. Aponta que a vê nos jovens e nas mulheres uma força de vontade muito grande para escrever. A autora afirma, no entanto, que esta força não devia ser tão limitada, fazendo referência aos 50 anos de independência de Angola.
"Todos os dias espero que as coisas melhorem, porque eu vejo, sobretudo nos jovens e nas mulheres, uma vontade muito grande de resistir e de propor, de mudar e, portanto, eu tenho essa esperança, apesar de terem passado 50 anos da independência com muita dificuldade, desde logo a guerra, desde logo todas as coisas que aconteceram e acontecem, neste momento, mas essa esperança é um lugar onde eu volto todos os dias e é isso que muitas vezes me permite escrever e olhar à volta."
A autora de 72 anos diz que começa a trabalhar com as novas tecnologias, mas rejeita levar isso para certos tipos de escrita, aliás, para um tipo de escrita. Ana Paula Tavares refere que escreve prosas, contos e crónica no computador, mas para a poesia, o papel está reservado. A também historiadora refere que o seu processo de escrita de poesia é, de certa forma, complexo. O início do texto é escrito e, depois, deixado durante algum tempo, como se estivesse a descansar. Ana Paula Tavares refere ser algo necessário para como o seu trabalho é processado.
"Eu já escrevo muito no computador, mas a poesia não. Precisa deste tratamento, do papel. Eu escrevo no papel, depois normalmente abandono, porque tem que passar um certo tempo. Depois volto ao poema, e muitas vezes passo para o computador, depois imprimo, volto a emendar... Com alguma pena minha, não tenho feito muita salvaguarda de papel (risos), mas eu preciso disso."
Questionada sobre como funciona, ao certo, o seu processo de escrita, Ana Paula Tavares comparou com o tratamento de algo tão simples como o pão. A autora sublinha que é preciso insistir, trabalhar, esperar e, no fim, surge o produto final. Assim como o poema. Refere que é no dia a dia que encontra a motivação e as ideias para depois, à mão, escrever no papel, e voltar a um processo que repete várias e várias vezes e que, apesar do esforço, pode não dar em nada.
"Nós às vezes esquecemos, porque hoje está tudo tão arrumado. Nós vamos ao supermercado, compramos pão e nem pensamos o que está por detrás daquilo, e hoje provavelmente não está, mas as mulheres da minha idade, felizmente, ainda assistiram à arte de misturar farinha e água, até obter uma certa consistência, o que implicava um investimento, alguma força e trabalho. Depois, guardar aquela massa num sítio tapado para levedar, deixar passar um tempo, e depois é que era transformada em pequenas bolas que poderiam ir ao forno. Só depois é que havia pão. No fundo, o poema precisa disso, no meu caso precisa. Às vezes tenho uma ideia, quando estou na rua, no cinema, num sítio qualquer, aponto em cadernos, ou mesmo no telemóvel, mas depois tem de acontecer todo este processo do papel. Só assim é que eu posso ficar satisfeita, ou não, também acontece ir para o lixo depois de tudo acontecer."
Grande parte da obra de Ana Paula Tavares, autora de vasta obra literária em prosa e poesia e de textos científicos, está publicada em antologias editadas em vários países. Venceu a edição do ano 2025 do Prémio Camões. Segundo o texto do protocolo constituinte, assinado em Brasília, em 22 de junho de 1988, e publicado em novembro do mesmo ano, o prémio consagra anualmente “um autor de língua portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum”. Financiado em partes iguais pelos Governos de Portugal e do Brasil, o Prémio Camões tem o valor de cem mil euros.
