"Aqui renasci." Como o teatro mudou a vida de pessoas em situação de exclusão social
Emílio Costa e Ana Silva já se sentiram postos de parte pela sociedade. Este fim de semana, sobem ao palco com a peça "O que carregamos?", no Teatro Nacional de São João, no Porto
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Luzes montadas, atores maquilhados e vestidos. O ensaio vai começar, acompanhado com música ao vivo. Além de atores profissionais e amadores, o elenco é composto por pessoas que estão em situação de exclusão social.
"Consumidores de substâncias, pessoas que estão a viver em Rendimento Social de Inserção (RSI), pessoas que estão a viver em instituições porque não têm casa, que têm problemas de saúde mental que não lhes permite ingressar no mercado de trabalho e ter uma vida igual a qualquer outro cidadão. Isto são alguns tipos de exclusão social que temos aqui", explica à TSF Rui Spranger, encenador de "O que carregamos?".
Emílio Costa vai subir ao palco e realizar um sonho: atuar no Teatro Nacional de São João. A vida nem sempre lhe sorriu, mas este fim de semana será diferente. "A minha vida sempre foi atribulada pelas minhas escolhas. A minha vida foi sempre no crime, no tráfico, passei uma boa temporada preso e nunca me passou pela cabeça sequer que um dia viesse fazer teatro", confessa.
Natural do bairro da Pasteleira, no Porto, o homem, de 62 anos, foi apresentado ao teatro através de uma associação de solidariedade, Asas Ramalde. "Acreditaram que eu tinha potencial e esse projeto é que me levou para estes voos em que estou agora", conta.
E quando um sonho se realiza, às vezes nasce um novo. Emílio Costa partilha um desejo que tem. "Gostaria que, nesta peça, os meus filhos tivessem em palco e sentissem orgulho do que o pai está a fazer", revela.
Nesta peça, Ana Silva vai ser uma noiva. Vítima de violência doméstica, a portuense viu-se em situação de sem-abrigo em 2021. Um ano depois, encontrou o teatro e tudo mudou. "Tornei-me mais extrovertida, porque tenho de vestir outras personagens. Para mim, [o teatro] é uma terapia porque tenho de estar no meio de outras pessoas. Sinto-me alegre, sinto-me em paz, sinto que posso ser quem eu quiser. Descobri uma Ana que tinha desaparecido, que se anulou, e acho que aqui floresci... ou renasci", diz, com um sorriso.
Agora, a mulher, de 47 anos, estuda jardinagem e paisagismo. Quando não está entre os livros ou em palco, ocupa o seu tempo com artesanato.
Para Rui Spranger, o teatro dá competências às pessoas que as ajudam a ter outra vida. "Em termos de comunicação, de concentração, de trabalho de equipa, de relacionamento com os outros. Aqui, já tivemos quatro ou cinco pessoas que já saíram para o mercado de trabalho e acho que o teatro teve um papel muito importante."
A peça conta a história de trabalhadores que parecem ser iguais, mas têm algo que os distingue: tudo o que carregam.
A peça "O que carregamos?" sobe ao palco este fim de semana, às 16h00, no Teatro Nacional de São João, no Porto. Após a primeira sessão, o público é convidado a participar na mesa-redonda que vai discutir a problemática das pessoas em situação de sem-abrigo.
