Gonçalo Waddington veste a pele do Condestável, herói de Aljubarrota e santo da Igreja Católica, num filme que passa a ser mostrado no Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota. Um filme espetáculo que custou quase um milhão e meio de euros.
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Nuno Álvares Pereira é o centro do novo filme que o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota mostra a partir desta terça-feira, dia 24 de junho. O ator Gonçalo Waddington desempenha o papel principal, mas está acompanhado por nomes como Nuno Nunes (D. João I), João Lagarto (Gil Airas), Elmano Sancho (João das Regras), Miguel Loureiro (Martins Vasques) e Nuno Nolasco (Gonçalo Eanes).
O filme mostra, em quase 45 minutos, a vida de Nuno Álvares Pereira como líder invencível no campo de batalha, senhor feudal e frade carmelita. A Fundação Batalha de Aljubarrota encomendou o filme à mesma equipa que tinha produzido o filme "A Batalha Real", da empresa belga Maverick ICS. A realização é de Johan Schelfaut, com apoio científico de João Gouveia Monteiro e Mário Barroca. O filme só pode ser visto pelos visitantes do Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota, que funciona desde 2008. António Ramalho é o presidente da Fundação Batalha de Aljubarrota e falou com a TSF sobre o sentido desta produção.
O Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota já tem, neste momento, um filme (“A Batalha Real”), até com bastante detalhe sobre o contexto e a forma como se desenrolou a batalha. Porque é que houve a necessidade de detalhar o papel concreto do Condestável Nuno Álvares Pereira, em filme?
Bom, antes de mais, porque é o nosso objetivo ir atualizando permanentemente a nossa oferta multimédia do ponto de vista da atratividade do Centro para os objectivos que pretendemos desenvolver. Depois, porque Nuno Álvares Pereira é uma figura absolutamente ímpar em Portugal, no papel que teve na Revolução de 1383-85. Primeiro, como Condestável, onde foi um general, um soldado que se mostrou verdadeiramente invencível, mas sobretudo um construtor de táticas ousadas, um nível de preparação absolutamente incomum, e no próprio resultado. É bom recordar que nas três batalhas campais que foram Atoleiros, Aljubarrota e Valverde, Nuno Álvares Pereira ficou sempre com a imagem do invencível, porque foi sempre invencível. Depois, também pela sua figura de senhor feudal que, de alguma maneira, se adaptou a um feudalismo quase inexistente em Portugal e, portanto, um ajustamento que teve que fazer mesmo naquilo que foi a origem da Casa de Bragança que ele representou. E, finalmente, nessa enorme curiosidade que é acabar por ser santificado - porque não é muito comum os generais serem santificados - quando decidiu trocar a espada pelo hábito. Aliás, para esse efeito, eu recordo sempre uma última estrofe de um poema do Miguel Torga que, pondo-se na posição de Nuno Álvares, diz “mais difícil era a empresa que a seguir comecei, já sem cota de malha, combater por outro Reino, por outro Rei” (Nun’Álvares, Poemas Ibéricos, Coimbra Editora, 1965). E eu acho que esse poema diz muito de Miguel Torga, inspirador daquilo que também é a curiosidade sobre Nuno Álvares. É um bocadinho isso que procuramos contar no filme. Essa evolução e, simultaneamente, essa importância que Nuno Álvares teve em 1383-1385.
Ou seja, o filme que agora passa a ser mostrado, não é só sobre a batalha, é mesmo sobre a vida de Nuno Álvares Pereira.
Exatamente. Nós já temos o filme sobre a batalha, que é “A Batalha Real”, que é um filme notável e pedimos ao Johan Schefhaut, que já tinha feito a realização destes filmes – recordo que estes filmes são sempre filmes multimédia, espetáculo - que trouxesse agora a vida de Nuno Álvares Pereira e não afastamos a hipótese de vir a juntar a isso mais figuras históricas que foram relevantes na época. Às vezes não nos podemos esquecer que Nuno Álvares Pereira é o braço direito e armado de D. João I, assim como o braço esquerdo e legal foi João das Regras, e acabaram os dois por não só serem fundamentais para a eleição de um rei - porque na prática D. João I acabou por ser um rei eleito – como, inclusivamente, dando-lhe a legitimidade posterior para ele assegurar o reinado mais longo da história dos reis portugueses. Às vezes as pessoas esquecem-se dessa curiosidade. É que D. João I foi o rei mais longo e foi aquele que nasceu de uma eleição feita pelas classes, enfim, menos abastadas, quer da nobreza e sobretudo dos mesterais da época.
Há cada vez mais a ideia de que a história foi durante anos de mais, tratada pela escola glorificando os heróis, sem dar muito contexto sobre as fragilidades - em alguns casos - das estratégias portuguesas, da política portuguesa e dos protagonistas portugueses. Este filme é, nesse sentido, também uma glorificação do herói ou vai além disso?
É difícil que Nuno Álvares Pereira não seja, digamos assim, visto como um herói pelas características que teve. Mas independentemente disso, nós na Fundação, procuramos trazer primeiro uma capacidade de aprofundamento daquilo que é a reflexão sobre este período histórico, mas também uma discussão universitária e um conjunto de iniciativas que tomamos de reflexão sobre esse período. Mas procuramos também atualizá-lo para compreender um bocadinho aquilo que são as características da época e aquilo que são os elementos centrais da época. É uma época muito curiosa, onde Portugal define um conjunto de regras específicas. A Batalha de Aljubarrota é muito mais do que uma simples batalha. É algo que pertence, digamos assim, à história de Portugal e do mundo.
A Fundação tem como objetivos fundamentais a preservação da história, mas centra-se também na preservação, por exemplo, de outros espaços, de outras batalhas históricas, o caso dos Atoleiros, das Linhas de Elvas, de Trancoso. Enfim, há várias. E tem estado muito empenhada, não só em preservar, mas também em conseguir a classificação daqueles espaços. Esta ideia do Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota, que tão bem sucedido tem sido, é para replicar nos outros locais?
Nós temos três roteiros prioritários. O primeiro é este Roteiro da Independência, que é o roteiro que junta a Batalha de Aljubarrota com as duas outras batalhas que a antecederam e que tiveram a relevância idêntica do ponto de vista do sucesso da Batalha de Aljubarrota, que foi a Batalha de Atoleiros e foi a Batalha de Trancoso. Na Batalha de Trancoso nem D. João I nem D. Nuno Álvares Pereira estiveram presentes, mas foi absolutamente determinante depois da forma como foi feita a invasão castelhana. E, portanto, o que nós procuramos é dar uma vivência concreta e uma compreensão concreta do que se viveu no período. Esse é um dos primeiros roteiros, e sobre esse, nós já temos o Centro de Interpretação de Atoleiros e temos a zona classificada do campo de batalha, que inauguramos este ano no Terreiro de Atoleiros. Em Trancoso, estamos a discutir com a câmara municipal a capacidade de fazer também o centro de interpretativo polinuclear e também já estamos a trabalhar sobre o terreiro da batalha. Ainda recentemente, no dia 29 (de maio), lá estivemos, na comemoração do respectivo aniversário (640 anos). De facto, esse é um elemento central: juntar estas três batalhas com um elemento de interpretação mais amplo. Repare que não é o único, porque também temos uma zona de proximidade. Essa zona de proximidade junta Porto de Mós, onde as tropas portuguesas pernoitaram na véspera da batalha, junta a própria Batalha, junta depois o Mosteiro da Batalha, que é o mosteiro, digamos assim, da glorificação do resultado, mas junta também Alcobaça, que foi um centro absolutamente central do ponto de vista da preservação da logística do nosso exército e depois do resultado final e da consolidação da vitória portuguesa. Isto para lhe dizer basicamente que uma batalha não deve ser vista como um único elemento. Também estamos a apostar fortemente naquilo que chamamos a Rota da Boa Memória, ou o Roteiro da Boa Memória, que no fundo é de Abrantes para Tomar, de Tomar para Ourém, de Ourém para Porto de Mós, e de Porto de Mós para a Batalha, que no fundo foi o movimento das tropas portuguesas até ao dia 14 de agosto de 1385. São os quatro dias antes onde as tropas se movimentam, e que de alguma maneira é um caminho de Fátima - aqui seria um caminho de independência. Mas isto para lhe dizer que eu acho que a forma de nós levarmos as pessoas a participar naquilo que representou à época esta esta narrativa histórica, é também levá-los a compreender o contexto global. Esse é o nosso objetivo. O nosso objetivo não é glorificar o momento. O momento da batalha é só o momento que traz consequências e resultados muito importantes, e por isso, não temos só o filme da batalha, iremos inaugurar este filme também sobre Nuno Álvares Pereira.
Estas coisas não são baratas, e por isso, o que lhe pergunto também é se a sociedade, e concretamente os mecenas, estão disponíveis para ajudar a preservar a história de Portugal desta maneira?
Eu acho que sim, quer os mecenas nacionais, quer os internacionais. Deixe-me dizer que este filme foi um filme caro, e que toda a parte de reprodução necessária para fazer este filme, para ser colocado no Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, porque só lá é que poderá ser visto, quando é tudo, digamos assim, espetáculo imersivo, multimédia, é um investimento de cerca de 1.4 milhões. É o último investimento decidido pelo Dr. Alexandre Patrício Gouveia – meu antecessor na presidênca da Fundação - antes mesmo do seu falecimento, e que nós obviamente tomámos como principal objetivo. Tivemos mecenas que cobriram 69% dos custos. Portanto, só 31% dos custos é que foram fundos próprios da própria Fundação. Desses mecenas, para ter uma ideia, destes 940 mil euros de mecenato que obtivemos para o filme, cerca de 70% é mecenato internacional com grande relevância para o mecenato norte-americano. Nós, às vezes, temos tendência para glorificar a Batalha de Aljubarrota enquanto momento nacional. Foi um momento muito especial, quer na legitimação da dinastia de Avis, quer na confirmação de um rei eleito. Mas temos que pensar que também foi um momento determinante na Guerra dos 100 anos, e portanto naquilo que foi a consolidação da aliança histórica luso-britânica, que como sabe é a aliança mais antiga do mundo moderno, e também é um momento decisivo na criação de duas potências marítimas concorrentes - Portugal e Castela - que curiosamente poucos mais de 100 anos, mais tarde, estavam ambas a assinar o Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo oceânico em dois, que devemos nos recordar é o início deste amanhecer renascentista. Portanto, Aljubarrota não é uma batalha, nem é um momento exclusivamente português. É um momento do mundo, e se nós conseguirmos poucos momentos em Portugal se verificaram que sejam tão momentos do mundo como este que se verificou a 14 de Agosto (1385). Mas agora estamos sobretudo concentrados no dia (23 de junho) em que fazemos a antestreia do filme com a Ministra da Cultura, da Juventude e do Desporto, que faz o prazer de presidir a sessão da antestreia, feita exatamente na véspera do dia 24, que é o dia onde se celebra o nascimento de Nuno Álvares Pereira. Nasceu a 24 de junho de 1360 e a partir do 24 de junho de 2025, vamos passar a poder também ter um filme no Nuno Álvares Pereira no Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.
Até por aquilo que estava a dizer sobre um custo considerável de um projeto destes, não há forma ter este filme disponível noutras plataformas para além do próprio centro interpretativo?
Vamos por partes. Primeiro, o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota é um state of the art no mundo e na Europa. A primeira coisa que temos que fazer é que ele seja mais divulgado e trazer mais pessoas, mais visitantes internacionais, ao centro. Esse é o nosso objetivo, para além dos públicos escolares, as 350 escolas que vão ao centro, para além dos públicos séniores que acompanham com muito carinho este centro, nós precisamos de mais. Mas para além disso, também precisamos de mais iniciativas que alarguem a amplitude da batalha. Mas isso é um projeto que a Fundação tem a ambição de fazer, até porque não nos podemos esquecer que esta é uma fundação criada por António Champalimaud, e que temos o dever da ambição connosco, no nosso ADN.
O Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota tem muitos visitantes espanhóis?
Tem, tem bastantes visitantes internacionais e temos tido visitantes espanhóis. Eu tenho feito o esforço sempre por recordar que, sendo uma vitória portuguesa sobre Castela - e que isso é inevitável, faz parte da história - também não deixou de ser uma vitória onde estavam dois reis no campo de batalha, dois reis que saíram ambos com vida, e dois reis que foram depois responsáveis, mais tarde, pela sucessão de reinos que puderam ser eles o motor da Europa no sentido da globalização, isto é, no sentido da conquista do oceano. O reino de Castela, sobretudo pelo Atlântico Norte, e objetivamente a postura de circunavegação que orientou Portugal através da circunavegação da África. Portanto, de alguma maneira, é verdade que é um resultado favorável aos portugueses, sem dúvida, e temos muito orgulho, obviamente, nesse resultado, mas também é interessante verificar - com esta distância - aquilo que foi o reflexo que acabou por ser extraordinariamente significativo e determinante para as duas nações.