É já esta sexta-feira, às 21h, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, que a Orquestra do Norte sobe ao palco para interpretar a ópera "Carmen", de Georges Bizet.
Corpo do artigo
A mais famosa das novelas do escritor parisiense Prosper Mérimée, Carmen, escrita no século XIX (1945), foi fonte de inspiração para o compositor Georges Bizet, no seu último e mais glorioso trabalho, com a ajuda dos libretistas Henri Meilhac e Ludovic Halévy.
Dos quatro franceses que ajudaram a eternizar a ópera "Carmen", apenas Meilhac e Halévy viveram para ver o seu sucesso. Mériméé morreu em 1870, cinco anos antes da estreia no Opéra-Comique de Paris, e Bizet exatamente três meses depois da primeira subida aos palcos, a 3 de março de 1875.
A história de uma linda e infiel cigana, morta pelo amante, Don José, demorou a agradar aos críticos burgueses, indignados com o caráter da personagem principal e pouco habituados a observar em palco a vida das pessoas mais comuns, especialmente a comunidade cigana.
Bizet tinha 36 anos quando compôs "Carmen", e nunca antes tinha escrito nada de relevante. Sabendo do caráter pesado da novela, narrada por Don José a partir da prisão, onde viria a ser enforcado pela morte de Carmen, Bizet decidiu recorrer a Meilhac e Halévy para que tornassem a história mais agradável.
E assim surgiram, entre outras personagens menos relevantes, Micaëla, uma jovem e inocente noiva de Don José, e Escamilo, o toureiro amante de Carmen, mais apelativo do que o original, o picador Lucas. Mas tudo podia ser polido nesta obra, menos Carmen.
Carmen foi recebida por inúmeras personalidades da sociedade musical francesa, como Gounod, Delibes, Massenet, Thomas, e até pelo escritor Alexandre Dumas, mas a estreia de algo tão disruptivo estava condenado ao insucesso, como conta o livro de memórias de Halévy sobre essa noite.
De um primeiro ato brilhante, que mereceu aplausos e cumprimentos ao encenador, até ao final solitário, onde poucos amigos rodearam Bizet. A crítica não perdoou a fuga aos padrões da época e destruiu a ópera e Bizet, que acabaria por morrer três meses depois com um ataque cardíaco. Durante oito anos, "os honestos espetadores" de Paris fecharam as portas a "Carmen".
Foi preciso esperar por outubro, em Viena e em alemão, para "Carmen" convencer nomes como Nietzsche, Wagner, Brahms, que feitas as contas terá visto a ópera mais de de 20 vezes, e Tchaikovsky, que por divertimento tocou a obra ao piano várias vezes, fascinado com as suas novidades musicais.
A partir daí, "Carmen" correu o mundo. Bélgica, Hungria, Rússia, Suécia, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, Austrália, Itália, Alemanha, República Checa e Suíça, isto apenas até 1880. Três anos depois, em 1883, regressaria de forma triunfal a Paris. A Portugal, esta ópera só chegaria em 1885.
"Carmen" nunca mais foi esquecida e por diversas vezes foi adaptada para o cinema, como em 1954, com "Carmen Jones", filme vencedor do Globo de Ouro na categoria de melhor musical. Anos mais tarde, em 1983, foi a vez de Jean-Luc Godard conquistar o Leão de Ouro em Veneza, com Nome: Carmen.
A chocante Carmen, muito à frente do seu tempo, quando o feminismo ainda era uma tímida onda, é uma das óperas mais encenadas do mundo. A natureza da mulher, sem medo da morte em troca de amor e liberdade, ganhou o apreço dos encenadores durante os mais de 130 anos que se seguiram, que acabaram por moldar a história com os seus próprios olhos, mas nunca alterando a condição essencial.
Para ouvir esta sexta-feira em versão concerto, às 21h, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, interpretada pela Orquestra do Norte.