Centenário de José Cardoso Pires: o homem que não queria ser lembrado como “o tipo que escrevia bem”
No dia em que se assinala o centenário de José Cardoso Pires, a TSF falou com o autor da biografia do escritor português. Bruno Vieira Amaral lembra um homem "com um compromisso ético com a sua função”
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"Dizia que não gostava de ser recordado como um tipo que escrevia bem." Assinala-se, esta quinta-feira, o centenário do escritor português José Cardoso Pires e, em declarações à TSF, o biógrafo do autor, Bruno Vieira Amaral, destaca uma "figura que ainda está presente no imaginário das pessoas, dos portugueses e de muitos leitores".
"Depois da morte, é difícil resistir à voragem do esquecimento. Já no fim da vida o autor dizia que não gostava de ser recordado como um tipo que escrevia bem e isso diz muito sobre a sua ética em relação à literatura”, conta à TSF.
O biógrafo, que nunca chegou a conhecer Cardoso Pires, demorou quatro anos a reunir o trabalho da vida do escritor. Um processo que não foi fácil, mas compensou.
“Um processo de investigação para uma obra desta dimensão é sempre difícil, mas também foi a parte mais agradável do trabalho, porque tive o prazer de vasculhar documentos que não eram consultados há décadas, alguns que não eram de conhecimento público, como correspondências de José Cardoso Pires com amigos, intelectuais e outros oficiais do Exército, além de ter entrevistado pessoas que conviveram com ele“, sublinha.
Para as pessoas que não sabem quem foi ou não se lembram de José Cardoso Pires, Bruno Vieira Amaral deixa uma interpretação: “Era um escritor com um compromisso ético com a sua função e missão de escritor. Era um homem, de alguma forma, atormentado pela exigência que colocava em si mesmo, algo que não coincide com a ideia mais frequente que se tinha de Cardoso Pires. Ainda assim, era uma pessoa muito dada a períodos depressivos e isso estava relacionado, muitas vezes, com a tensão existente entre a obra que queria escrever e aquilo que conseguia fazer. Por um lado, existe uma pessoa que tinha momentos de grande ternura, cumplicidade e de amor à liberdade em termos pessoais e familiares e, por outro lado, tinha os seus momentos antagónicos, que, às vezes, manifestava com aqueles que mais lhe eram próximos.”
Bruno Vieira Amaral critica ainda o Governo, referindo que o património português "não é apenas edifícios, mas também as obras e a memória dos escritores".
"Quando escrevi a biografia, fi-lo por um objetivo pessoal, mas também percebi [que era] uma oportunidade de voltar a trazer José Cardoso Pires para a luz. Queria ajudar as pessoas a ver a obra com outra clareza e trazer novos leitores para a sua literatura. Uma biografia pode ter esse propósito - e espero que tenha -, porque somos muito maus a cuidar do nosso património histórico e literário e, muitas vezes, há verdadeiros tesouros que são ignorados. Algo que está escondido não vale nada”, assegura, acreditando que, um século depois, ainda existe muita coisa por descobrir sobre José Cardoso Pires.
“O livro é do biógrafo e não do biografado. É sempre uma escolha, existe sempre algo que se prefere salientar e outra a que se prefere dar mais destaque e, nesse sentido, poderia surgir uma nova imagem sobre aquilo que escrevi, pelo menos diferente ou complementar. Da mesma forma que encontrei muitas coisas quase por acaso, como um conjunto de cartas que o escritor enviava para o Brasil a Castro Soromenho, é possível que existam outras à espera de serem encontradas, como alguns documentos sobre a ligação de Cardoso Pires com o Partido Comunista Português. É vir outro biógrafo e continuar esse trabalho”, diz.
O trabalho de investigação sobre a história de José Cardoso Pires não tem fim e continua no dia em que o escritor faria 100 anos.
