Dinheiro para a cultura: a "Livrearia" que "confia na humanidade e nos leitores"
Farmacêutico abriu "Livrearia" em Ponte de Lima, uma loja de livros em segunda mão, doados por leitores, e que funciona sem vigilância. O cliente paga nos estabelecimentos vizinhos e o dinheiro reverte para atividade cultural
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Em Ponte de Lima há uma loja de livros em segunda mão, sem funcionários, vigilância ou caixa registadora. Chama-se “Livrearia” e a porta está aberta todos os dias, das 9h00 às 19h00, no Largo da Matriz, em pleno centro da vila.
O espaço funciona como uma espécie de biblioteca, onde o cliente pode entrar e simplesmente escolher obras e sentar-se a ler. Ou se quiser comprar, tem de sair e ir pagar nas lojas vizinhas: na padaria, no pronto a vestir da “dona Conceição”, na joalharia da Marta e no restaurante de pequeno-almoço e brunch “Maria Rosa”.
Também pode fazer o pagamento na Farmácia da Misericórdia, situada ali ao lado e que pertence ao mentor da ideia, o farmacêutico Manuel Pimenta, que se diz “dado a devaneios literários”.
“Sempre tive o bichinho de gostar de ter uma livraria. Ainda bem que não a tive antes, porque ia, se calhar incorrer, na tradicional bibliocafé. E isto é uma forma de ter não uma livraria, mas uma Livrearia”, conta Manuel, explicando que conseguiu concretizar esse desejo, quando uma loja que era do seu avô Amadeu e chegou a ser tasca, churrasqueira e loja de bicicletas, ficou vaga. E deu um novo destino ao espaço com um formato que o deixa livre para o trabalho na farmácia, graças ao acolhimento “das pessoas da vila”, que ajudam à “dinâmica” de pagamento na porta ao lado.
Por outro lado, leitores que simpatizaram com a sua ideia, que foi sendo tornada pública através da imprensa, contribuem com doações e garantem que as prateleiras da sua nova loja estejam sempre forradas.
“Já fui buscar livros ao Porto. Já me mandaram livros de Oliveira de Azeméis, Estremoz, Coimbra…coisas assim, surpreendentes. Pessoas que eu nunca vi que mandam cartas. Não consigo perceber, mas fico muito contente e muito grato. É extraordinário”, comenta o farmacêutico, confessando que, face à quantidade e variedade de obras doadas, já perdeu a mão ao conceito da sua livraria, que acomoda livros “para todos os gostos e para todas as idades”.
Cada livro custa cinco euros, mas Manuel Pimenta desafia, “os excêntricos” a pagar 10.
O sucesso da loja superou todas as expectativas. “A minha ideia era vender um livro por dia, mas tem sido muito mais do que isso”, diz, indicando que, desde a abertura, já vendeu “mais de 500 livros”.
“Tenho aqui sempre 200 livros e venho cá quase todos os dias, carregar com mais, quando começo a ver muitas clareiras”, conta, sublinhando a sua satisfação pelo “respeito” que as pessoas têm tido pela Liveraria, que desde que abriu tem funcionado praticamente sem desaparecimento de livros.
“Pelas minhas contas, quando muito [foram levados] um ou dois, se fiz bem as contas, mas é completamente irrelevante. É um acto que fica com as pessoas e para a dinâmica da livraria, nem sequer é mensurável, porque as doações são tantas”, refere, comentando: “Mesmo assim, ainda estou convencido que talvez não tenham levado nenhum. Podem ser as minhas contas que estão mal feitas”.
Gosta de acreditar que aquele espaço funciona bem na base da confiança.
“Isto é confiar na humanidade, nos leitores, e também na relação com o livro, que está desvalorizado, de certa forma. Isto é uma forma de o tentar valorizar”, afirma.
O dinheiro do apuro da venda de livros é para aplicar em “programação cultural” do próprio espaço. O próximo evento será com Adolfo Luxúria Canibal, no sábado, dia 20 de janeiro.
