Do "choque" à "esperança": ataque contra Charlie Hebdo também deixou marcas nos cartoonistas portugueses
Ouvido pela TSF, André Carrilho afirma que para assinalar a data desenharia um cartoon com pétalas de cravo. Já Luís Afonso recupera uma frase que correu mundo para criar um cartoon. O ataque ao Charlie Hebdo há dez anos deixou-o com um sentimento de impotência e muitas dúvidas em relação à humanidade
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Do “choque” à “esperança”, o cartoonista português André Carrilho recordou esta segunda-feira à TSF o ataque jihadista contra Charlie Hebdo com sentimentos ambivalentes. Dez anos depois, também Luís Afonso questionou “Je suis Charlie?”, sublinhando que o papel de um cartoonista é levar as pessoas a pensar.
Em 7 de janeiro de 2015, dois terroristas, os irmãos Chérif e Said Kouachi, assassinaram 12 pessoas num ataque à redação desta publicação satírica, no centro de Paris, que estava sob proteção e tinha sido alvo de constantes ameaças por ter publicado algumas caricaturas controversas do profeta Maomé, desde 2006.
O ataque gerou uma reação em todo o mundo e no fim de semana seguinte levou milhões de pessoas às ruas, sobretudo em Paris, onde compareceram chefes de Estado e de Governo de dezenas de países.
À TSF, André Carrilho revela que ficou chocado quando recebeu a notícia. Alguns dos principais cartoonistas franceses tinham sido assassinados. "Eu conheci principalmente um deles que era o Wolinski. Era uma pessoa que vinha cá ao Porto Cartoon e adorava Portugal e deu-me um prémio nesse ano. Saber que ele tinha sido morto à queima roupa foi um choque."
Mas depois do choque seguiu-se a necessidade de reagir. André Carrilho conta que na altura trabalhava para o Diário de Notícias e, no momento de fazer uma capa, demorou a decidir o que focava no desenho: “seria o choque, o sangue, a morte, a angústia, ou fazer aquilo que optei por fazer? A esperança, já que apesar disto tudo estes fundamentalistas extremistas não ganhariam aquilo que eles pensavam que iam ganhar.”
Dez anos depois, o cartoon de André Carrilho teria pétalas de cravo, “uma metáfora que seria um testemunho à perseverança do cartoon e da obra desenhada e da maneira como a arte pode ser expressão de uma liberdade que todos temos que sentir.”
Também ouvido pela TSF, Luís Afonso recupera uma frase que correu mundo para criar um cartoon que assinala uma data que o deixou com um sentimento de impotência e muitas dúvidas em relação à humanidade.
Agora faria um cartoon com o desenho inicial, com um boneco a segurar a placa ‘Je suis Charlie’, mas dez anos depois acrescentava-lhe um ponto de interrogação.
Para Luís Afonso, “o mundo não está melhor” e “há uma sensação de impotência que é tentar chegar a alguém com uma mensagem e não ter êxito”.
“Sinto que hoje as pessoas têm menos tolerância”, considerou, explicando que se há 20 anos as pessoas olhavam e diziam “olha, é um cartoon, é uma brincadeira”, hoje em dia não relativizam, nomeadamente quando se trata de “questões de género, questões de animais, ou de esquerda e direita”.
Em Portugal, nos dias de hoje, Luís Afonso disse que só não sente diretamente as pressões, nem se confronta com reações mais extremadas porque não tem redes sociais, mas André Carrilho garante que "quando se critíca a extrema-direita há um levantamento concertado nas redes sociais, tentam silenciar as vozes que os critícam".
A revista satírica francesa Charlie Hebdo vai publicar novos cartoons sobre religiões na próxima terça-feira, no número especial que preparou para assinalar o décimo aniversário do ataque jihadista que matou 12 pessoas na sua redação em Paris.
"Será um número duplo de 32 páginas", dos quais serão impressos 300 mil exemplares e que estará à venda durante duas semanas, explicou o editor-chefe, Gérard Biard, numa entrevista ao jornal Ouest France, em que disse também que incluirá uma sondagem em França sobre o direito à caricatura, à blasfémia e à liberdade de expressão.
"Este estudo vai contra as ideias preconcebidas e mostra que a população francesa, que se supõe ser menos tolerante com esta liberdade, o é, na verdade, de forma generalizada e crescente", disse Biard.
Para o editor-chefe da Charlie Hebdo, estes resultados reforçam a determinação do semanário em "continuar a fazer o seu trabalho".
No dia do décimo aniversário, está prevista também uma homenagem oficial da Câmara Municipal de Paris, na qual estará presente o Presidente francês, Emmanuel Macron.