O novo espetáculo da Mala Voadora propõe contar a história da vida do herdeiro de uma exploração agrícola com 4000 hectares e de uma industria de polpa de tomate em Moçambique desde 1984.
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"Time present and time past
Are both perhaps present in time future
And time future contained in time past.
If all time is eternally present
All time is unredeemable.
What might have been is an abstraction
Remaining a perpetual possibility
Only in a world of speculation.
What might have been and what has been
Point to one end, which is always present.
Footfalls echo in the memory
Down the passage which we did not take
Towards the door we never opened
Into the rose-garden."
Assim começa T.S. Eliot os Four Quartets, assim nos conta a Mala Voadora, o seu rose-garden chama-se Moçambique, o musical de uma floresta tropical.
Jorge Andrade nasceu em Moçambique, vive em Portugal desde os 4 anos, gosta de fazer teatro. Fundador da companhia de teatro Mala Voadora, nasceu em Moçambique assim como mais 2 dos elementos da companhia. Hoje, dia 16 de Setembro de 2016, no palco do Rivoli, a Mala Voadora estreia Moçambique, espectáculo que propõe contar a história da vida de Jorge Andrade, herdeiro de uma exploração agrícola com 4000 hectares e de uma industria de polpa de tomate em Moçambique desde 1984. Moçambique é a história do "E se o Jorge Andrade tivesse vivido em Moçambique".
A história do Jorge Andrade é a história de Moçambique? A história de Moçambique é a história de Jorge Andrade que vive em Portugal e gosta de fazer teatro? Moçambique é a história do Jorge Andrade herdeiro de 4000 hectares em Moçambique? A história do herdeiro de uma indústria de polpa de tomate é a história do fundador da empresa que herdou? A história do Jorge é a história da empresa? A história da empresa é a história dos seus milhares de trabalhadores? A história dos trabalhadores obrigados a trabalhar para poderem comprar a comida que lhes tinha sido doada pela ajuda humanitária e que lhes é vendida pela empresa, é a história de um país? A história de uma guerra civil é a história de um homem que viveu numa ilha paradisíaca? Confuso? Sim.
A camuflagem é um recurso resultante da ação da seleção natural sobre uma certa espécie, usado por varias espécies para se protegerem dos seus predadores. Uma das mais amplas e diferentes adaptações é a camuflagem natural, a habilidade de um animal se esconder de um predador ou presa. A camuflagem pode ocorrer pela cor, ou forma de cobertura do animal. É difícil, por exemplo, distinguir um veado novo entre as folhagens, por causa da cor parda e às pintas escuras. Como o objetivo final da camuflagem é esconder o animal de outros que querem caçá-lo, a fisiologia e o comportamento de seus predadores ou de suas presas é altamente significante. Um animal não desenvolverá nenhuma camuflagem que não o ajude a sobreviver, então nem todos os animais se misturam em seu meio ambiente da mesma maneira. Por exemplo, não há sentido em um animal replicar a cor de seu meio ambiente se o seu principal predador for insensível às cores. O fator mais importante é o meio ambiente, diz-nos a wikipedia. Em Moçambique a Mala Voadora conta-nos esta história, num entrelaçar maravilhoso de figurinos, sonoplastia, texto, actores, cenografia, iluminação.
Como todas as histórias também as histórias-e-se-eu são contadas recorrendo à nossa habilidade de nos mostrarmos camuflados de verdades, essas ficções do nosso acesso ao mundo, sempre fragmentário, a padecer de paralaxe. Condicionados aos meios que dispomos para nos expor ao outro, esse outro que nos legitima a biografia, a comunicação de que somos capazes é contingente, irremediavelmente sujeita ao facto de sabermos falar, termos vivido com aquelas pessoas, naqueles sítios, naquela época. O exercício proposto na narrativa da história-do-e-se-eu é no limite fazer da camuflagem que inventamos a única linguagem que interessa para contar histórias, porque também nós nos temos que proteger dos nossos predadores, porque tudo o que existe é relação e nós somos ilhas.
Moçambique espetáculo da Mala Voadora
16 e 17 setembro 2016 . Teatro Municipal do Porto - Rivoli
23 - 27 setembro 2016 . Teatro Municipal Maria Matos, Lisboa
4 e 5 novembro 2016 . Teatro Viriato, Viseu