"É tão difícil falar sobre o Brasil." Sérgio Tréfaut e a magia do país que o viu nascer
Acabado de chegar do Brasil, onde foi mostrar o novo filme "Raiva", Sérgio Tréfaut admite, em entrevista à TSF, estar preocupado com o futuro do país e teme que o Brasil caia no "obscurantismo".
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Quando encontrámos Sérgio Tréfaut para falar sobre "Raiva" , a sua segunda longa-metragem de ficção, o realizador tinha chegado há poucas horas do Brasil. Sérgio Tréfaut nasceu em São Paulo, em 1965, mas quando tinha apenas 10 anos, o irmão mais velho foi torturado por militares e a família fugiu para França devido à ditadura militar no Brasil.
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Agora é com mágoa que fala do país que o viu nascer. "É tão difícil falar sobre o Brasil. Cheguei do Brasil faz três horas, fui votar obviamente (Fernando) Haddad. Há um império da mentira impressiona muito. Como é que é possível que o discurso do Presidente, que não foi a debates, seja 'Eu e Deus, Deus e eu, eu e Deus, Deus e eu, sou mandatado para isso'?", questiona.
O cineasta sublinha as contradições constantes no discurso de Jair Bolsonaro: "Essa mesma pessoa, cinco dias antes, declarava aos berros que ia mandar as pessoas para a Ponta da Praia, que é um centro de tortura e assassinato. Como é que essa mesma pessoa quando confrontada com o facto de os seus apoiantes matarem, diz 'eu não tenho nada a ver com isso' e não condena. E que liberar armas... Portanto, de que Deus é que ele fala? Não sei, não sei. E depois põe no discurso de presidência 'democracia e liberdade"... mas quem é que acredita?".
Sérgio Tréfaut faz paralelismos entre o passado e o que pode ser o futuro a curto prazo no Brasil, afirmando que "poder judiciário no Brasil é um poder politizado à direita e de forma muito evidente" e dá como exemplo a morte de Marielle Franco, a ativista brasileira assassinada a 14 de março deste ano.
"O que eu temo é o obscurantismo mais que tudo. Acho que a violência institucionalizada não pode acontecer, não acredito que isso venha a acontecer. Mas a manipulação e o obscurantismo é possível num Estado onde algo como o que aconteceu com a Marielle, que é um assassinato puro e duro, seja posto de parte e nem sequer interrogado como assassinato. E foi assim que a ditadura funcionou, ou seja, há uma capacidade de os meios legais de fazer de conta que as coisas graves não existem. E isso é algo que tememos", sublinha.
Sobre a possibilidade de o Ministério da Cultura brasileira ser encerrado, referida por Jair Bolsonaro durante a campanha, Sérgio Tréfaut diz que já sentiu esse clima de dúvida e receio nesta recente visita ao Brasil.
"Toda a gente morre de medo do que vai acontecer. Eu vim da Mostra de São Paulo e do Festival do Rio, este filme ("Raiva") está nos dois lugares, e ninguém sabe se isso vai continuar, se vai haver cinema. Eles prometem fechar o Ministério da Cultura mas o Temer também tentou e não conseguiu. Agora é um jogo de forças, será decidido caso a caso. Estamos à espera do futuro", conclui.