Eduardo Gageiro fez da fotografia "com propósito" uma "extensão de si próprio" e acabou por tornar-se um "capitão de Abril"
O fotojornalista é recordado como um "homem extraordinariamente irreverente", que se punha a fotografar "tudo o que achava que devia ser fotografado", mesmo que isso lhe causasse "problemas" com a PIDE
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A morte de Eduardo Gageiro é "uma perda substancial para Portugal": o olhar "distinto e apurado" do fotógrafo com "propósito", que "merecia outra valorização", atravessou "diferentes áreas e décadas" e para trás fica um "retrato das condições sociais e da Revolução" de uma nação.
O fotógrafo de 90 anos deixa um imenso arquivo, onde é possível traçar um país antes e depois da liberdade. Eduardo Gageiro é autor de umas das mais célebres fotografias do 25 de Abril, em que o capitão Salgueiro Maia se apercebe que a queda da ditadura era inevitável e que a Revolução acabaria por triunfar.
Pelo papel "extraordinariamente importante" que Eduardo Gageiro teve na "divulgação, não só interna, mas internacional" daquilo que foi a Revolução dos Cravos, o presidente da Associação 25 de Abril considera que o fotógrafo foi também "um capitão de Abril".
"É com imensa mágoa que recebemos essa notícia. Ele teve sempre uma colaboração extraordinariamente intensa com a Associação 25 de Abril: doo-nos, inclusivamente, uma série de fotografias sobre o 25 de Abril para podermos usar sempre que assim o entendêssemos. Além disso, perdi um grande amigo pessoal", lamenta, em declarações à TSF.
Vasco Lourença recorda um "homem extraordinariamente irreverente" que se punha a fotografar "tudo o que achava que devia ser fotografado", mesmo que isso lhe causasse "problemas" com a PIDE.
"Foi um homem que esteve na hora certa, arriscou, percebeu e transformou-se num ícone do próprio 25 de Abril", atira.
Uma parte significativa do arquivo de Eduardo Gageiro — desde fotografias a máquinas fotográficas — vai, então, ficar guardado em Torres Vedras.
Laura Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, fala numa "perda substancial para a fotografia, em particular, e para o país, de uma forma geral".
"Eduardo Gageiro é um nome maior na fotografia e naquilo que diz respeito ao retrato das nossas condições de natureza social e da nossa Revolução e liberdade. Este expoente desaparecer é uma perda para Portugal", garante.
Até setembro é possível visitar a última exposição inaugurada na cidade, que conta com o espólio do fotojornalista, intitulada "Pela Lente da Liberdade", que pode ser visitada na Galeria Municipal dos Paços do Concelho de Torres Vedras.
No 25 de abril de 2025, nos 51 anos da Revolução, Eduardo Gageiro desceu a avenida de cadeira de rodas, empurrado pelo neto. Mário Cruz, um dos maiores fotojornalistas da nova geração, conta como foi o último encontro com o "mestre".
"A última vez que estive com Eduardo Gageiro foi no desfile do 25 de Abril deste ano. Quando me cruzei, fiz o que fiz sempre, que foi agradecer-lhe pelo seu trabalho. A resposta do Eduardo foi perguntar-me onde é que estava a minha câmara fotográfica, no sentido de dar aquela crítica de que temos de estar sempre prontos para fotografar a História", conta.
Mário Cruz confessa que Eduardo Gageiro sempre o inspirou pela devoção, compromisso e dedicação do humanista à fotografia, que acabou por tornar "numa extensão de si próprio".
"Eduardo Gageiro conseguiu fazer algo que é muito difícil, que é trazer uma simplicidade para a sua fotografia e, dessa forma, conseguir-nos parar. O seu trabalho foi absolutamente extraordinário, como foi tomadas de decisão quando está a fotografar Salazar de costas no Estoril, toda aquela perspetiva é um assumir do fotógrafo. Eduardo Gageiro quando fotografa, fotografa com um propósito. É uma tomada de posição. Ele conseguiu que a fotografia fosse uma extensão de si próprio", salienta.
O fotojornalista aponta igualmente que Gageiro "merecia outra valorização" pelo Estado e cultura portugueses, mas espera que isso possa mudar agora.
"Eu não vejo nenhum outro fotojornalista com o legado como o de Eduardo Gageiro, que atravessa diferentes áreas e décadas, sempre com um olhar distinto e apurado. Uma fotografia com propósito. Merecia outra atenção, outra valorização na cultura portuguesa. Nunca é tarde para acontecer", assinala.
O fotojornalista Eduardo Gageiro, conhecido por imagens históricas captadas na Revolução do 25 de Abril, morreu durante a madrugada desta quarta-feira, em Lisboa, aos 90 anos.
Até ao fim, Eduardo Gageiro manteve uma enorme força de vontade e agilidade mental, sobrepondo-se à doença prolongada que o vitimou, disse o seu neto.
Também em declarações à TSF, João Neves, que trabalha na secretaria dos Bombeiros Voluntários de Sacavém, recorda o fotojornalista como alguém muito envolvido nas coletividades da terra, ao ponto de ter pedido para que o seu velório fosse realizado precisamente numa dessas coletividades. O pedido vai agora ser honrado, com João Neves a adiantar que o velório acontecerá na Academia Recreativa Musical de Sacavém.
