Neste Manicómio instalado num espaço de trabalho partilhado no Beato, em Lisboa, os doentes mentais são artistas em pleno exercício criativo. Constroem monstros, desenham mulheres, escrevem poemas, ensaiam canções. Mais do que um projeto "é uma história de vida". Com dignidade.
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"Eu apenas limito-me a ser um operário da arte", assegura Pedro Ventura. Debruçado sobre um caderno de linhas, Pedro ensaia a escrita de canções.
Amor é odiar a paz
Amor é doença
Amar, não sou talvez capaz
Amor é doença
Amor é conhecer a loucura
Amor é coisa e zás
O desafio foi-lhe feito por Sandro Resende, um dos mentores do projeto Manicómio. E agora Pedro é um "operário da arte" a querer ser um artista. "Quem não sonha ser artista? Toda a gente, toda a gente." As canções, musicadas pelo Sr. Vulcão com quem foi estabelecida uma parceria, começam a ganhar forma. Sandro dá-nos a ouvir a primeira maquete no telemóvel.
Noutra mesa, a alguns metros de Pedro, Anabela Soares aponta para uma escultura de barro ainda fresco. "Este foi o monstro que saiu hoje." Uma cabeça de macaco com uma crista de dinossauro, chifres de bisonte, cobras, escorpiões e carochas. "Estes gajos atormentam-me!", desabafa Anabela que conta que os monstros saem aos poucos e "é um alívio quando saem".
Anabela sofre de doença mental e faz várias referências a uma infância sofrida. Chegou ao Manicómio pelas mãos de Sandro Resende que com José Azevedo criou este projeto que quer dar dignidade a estes artistas. Um projeto que resulta do trabalho da Associação de Desenvolvimento Criativo e Artístico P28, que os dois criaram há 20 anos e que dá aulas de artes plásticas no Hospital Júlio de Matos.
"A Anabela tem um trabalho muito bom de escultura e aqui está a criar várias peças novas", conta Sandro que acredita que as obras desta artista já podiam estar em qualquer museu. Para breve está marcada uma exposição individual, mas já foi publicado um livro com fotografias das esculturas de Anabela e, em 2016, a artista expôs com Emir Kusturica. " Eu senti-me uma formiguinha! Já viste o que é o Kusturica?"
Na altura, Anabela Soares vendeu muitas obras e conta que isso foi muito bom porque, na altura, o dinheiro fazia-lhe muita falta. "Estes artistas, por vezes, não têm condições financeiras boas, não tinham dinheiro para o passe ou para almoçar e para irem aos ateliês tinham de ir por sua conta, acabavam por desistir, e aqui podem estar num espaço digno, onde não há um estigma, podem ter uma bolsa de estudo que permite a sobrevivência financeira, as refeições e os transportes."
Trata-se de um investimento de perto de 100 mil euros e o Turismo de Portugal, a Central de Cervejas, a Fidelidade e a Herdade da Malhadinha Nova são os patrocinadores.
"Tenho o dever de mostrar que as pessoas com doenças mentais não se comportam todas de um modo maluquinho, não são lunáticas, que até as que são lunáticas são pessoas normais, que têm sentimentos, que podem ser muito talentosas e podem ser pessoas incríveis." A missão é assumida por Cláudia R. Sampaio que começou por escrever poesia e agora também transforma poemas em pinturas. Nas folhas de papel as linhas unem-se numa espécie de renda e numa delas pode ler-se: uma mulher inclinada pela noite trazia nos braços a respiração de um homem.
Cláudia já esteve internada 3 vezes, já publicou 5 livros, já pintou mulheres, gatos e flores. Aqui sente-se bem. "Já estive num manicómio dos maus, agora é engraçado dizer que vou para o Manicómio". Pedro Ventura também sustenta esta ideia: "Agora estou aqui, o que é ótimo, adoro estar aqui!"
"Dá-me um tremendo orgulho que se sintam mais seguros e se desafiem a eles próprios a fazer coisas mais à frente, não só na arte, mas na sua vida privada, pessoal", confessa Sandro Resende.