Alexandra Lucas Coelho, escritora e jornalista, foi convidada do programa “A Escuta do Mundo”, da TSF
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Alexandra Lucas Coelho fez reportagem no Afeganistão, no Iraque, viveu em Jerusalém enquanto correspondente do jornal Público, visitou várias vezes a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. É autora do livro de não ficção “Oriente Próximo” sobre o conflito israelo-palestiniano (2007) e é uma das vozes mais afirmativas na esfera pública portuguesa na condenação das políticas implementadas pelo governo de Israel.
O seu novo livro, "Gaza Está em Toda a Parte", reúne reportagens, crónicas, alguns textos nunca publicados e 148 fotografias a cores, quase todas inéditas. Uma crónica do antes e depois do ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, no qual 1195 pessoas foram mortas e 250 foram feitas reféns, a que se seguiu uma ofensiva israelita sem precedentes contra o enclave palestiniano, que já terá custado a vida a pelo menos 52 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Um estudo publicado na revista "The Lancet", da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, estima que o número real de mortos seja muito superior ao oficial.
No programa da TSF, Alexandra Lucas Coelho lamentou o bloqueio imposto pelas autoridades israelitas à entrada de jornalistas “em liberdade” na Faixa de Gaza. Desde outubro de 2023, os únicos jornalistas que entraram no território fizeram-no em regime “inserido" nas Forças de Defesa de Israel, ou seja, foram autorizados a acompanhar as tropas israelitas e a reportar apenas esse ponto de vista, trabalhando de forma muito limitada, com os trabalhos sujeitos a aprovação prévia antes de poderem ser publicados. “Se os repórteres tivessem podido entrar livremente em Gaza, se as grandes estrelas do jornalismo mundial tivessem podido entrar em Gaza, não tinha acontecido o que aconteceu”, garante.
Para a jornalista, os órgãos de comunicação tinham o dever de terem feito mais: “O jornalismo não foi capaz de pressionar os líderes ocidentais para que aquelas fronteiras tivessem sido abertas. Quem tinha possibilidade de pressionar esta entrada, não só abdicou disso, como, de certa forma, viabilizou aquilo que tem estado a acontecer”, conclui.
A escalada de violência e o seu impacto sobre as condições de vida de mais de dois milhões de pessoas levaram o Tribunal Internacional de Justiça - a mais alta instância judiciária das Nações Unidas - a reconhecer, ainda em 2024, a existência de um "risco plausível" de genocídio na Faixa de Gaza e a emitir, por isso, mandados de captura para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o antigo ministro da Defesa de Israel Yoav Gallant, assim como para Mohammed Deif, comandante militar do Hamas, entretanto morto por Israel.
Amos Goldberg e Omer Bartov, reconhecidos como autoridades mundiais sobre o Holocausto e genocídio, defendem que aquilo que o governo israelita diz ser uma “guerra contra o Hamas” em Gaza cumpre os requisitos necessários para ser classificado como “genocídio” contra o povo palestiniano.
Desde 2 de março que Israel impõe um bloqueio à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, o que, segundo a Iniciativa de Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar, está a deixar toda a população (2,1 milhões de pessoas) em risco de "insegurança aguda alimentar", com meio milhão de pessoas a correr o risco de "insegurança alimentar catastrófica", caso a situação não seja revertida rapidamente.
O governo israelita justificou o bloqueio com o objetivo de pressionar o Hamas a libertar os 59 reféns que ainda mantém na Faixa de Gaza e anunciou uma nova ofensiva terrestre "com toda a força" para breve. Segundo o jornal israelita Haaretz, estas opções estratégicas não estão a cair bem, nem junto de altas patentes das Forças de Defesa Israelitas, que alertaram o executivo para o risco de colocarem em perigo a vida dos reféns, nem junto das famílias dos reféns, que acusam o governo de os "sacrificar" pela "conquista de território".
Alexandra Lucas Coelho pergunta como é possível que a Europa, "o continente marcado pelo Holocausto, que jurou que algo assim nunca mais iria acontecer", permita que "milhões de pessoas estejam a ser mortas à fome, que uma população, uma cultura tenha sido aniquilada, diante dos nossos olhos, em direto?" E acusa os líderes das democracias ocidentais - particularmente da Alemanha - de darem provas de "sub-humanidade", por não só permitirem o que está acontecer em Gaza, mas também ao colaborarem com o envio de armamento.
A autora critica ainda a repressão policial, especialmente na Alemanha e nos Estados Unidos da América, de quem coloca em causa as ações de Israel, incluindo ativistas judeus. De lenço tradicional palestiniano nos ombros, Alexandra Lucas Coelho pergunta: "Como é que se explica que, na Alemanha, usar um keffiyeh como este que eu tenho aqui nos meus ombros seja suficiente para eu ser arrastada pela polícia?"
"A Escuta do Mundo" é um programa de Nuno Artur Silva, para ouvir às quartas-feiras depois das 13h00, com repetição aos sábados após as 11h00. Sempre em TSF.pt e nas plataformas de podcast.