A associação criada este fim de semana na cidade transmontana quer dar visibilidade aos inúmeros lagares romanos que ali existem e fazer vinho, como há dois mil anos, e comercializá-lo.
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O principal responsável para que tudo isto esteja agora a acontecer é Adérito Freitas. Tem 84 anos e nasceu na aldeia de Campo de Égua no concelho de Valpaços. Formou-se em Geologia. Deu aulas e fez trabalhos de campo na área. "Trabalhei durante algum tempo no castro da Coraia, perto de Chaves e um dia apareceu-nos, perto do Tâmega uma cavidade que todos identificámos como uma sepultura."
Adérito Freitas tinha-se enganado e descobriu-o algum tempo depois. "Quando um presidente de junta me pediu para ir ver uma pedra que tinha uma cavidade. Fui e fez-se-me luz. Não era uma sepultura e como o do Chaves era um lagar com um calcatório (sítio onde se pisam as uvas) bastante grande. Passado uma semana tínhamos descoberto mais seis", refere.
Corria o ano de 1986 e, desde aí, Adérito Freitas não parou de descobrir e identificar lagares esculpidos na rocha em todo o concelho de Valpaços. O geólogo já leva três livros escritos sobre o tema. "Nas edições estão 101 mas já sei que entretanto já descobriram mais alguns. Talvez haja tantos aqui nesta zona por ser uma terra de vinho."
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A descoberta de tantos lagares foi crescendo de interesse e há dois anos um grupo de engenheiros e enólogos decidiram fazer vinho num desses lagares, à semelhança de como seria feito há dois mil anos. "Fez-se tudo igual como era na altura e pôs-se o vinho em recipientes. Acredito que os romanos faziam vinho aqui em Valpaços e depois levavam-no para Roma em pequenos recipientes."
Adérito Freitas é o principal responsável por tudo o que está a acontecer à volta destes lagares no lado português. Em Espanha, mais concretamente na Galiza, Eduardo Castro Santamarina, um inspetor reformado da banca, dedica-se há mais de 15 anos a descobrir este tipo de lagares.
Tal como no lado português, ali existe uma grande concentração de "pedras velhas que faziam vinho", como lhe chama e acredita que quando os romanos aqui chegaram já os galegos ali pisavam as uvas. "Acho que sim. Os romanos aperfeiçoaram depois as técnicas de podar, colher as uvas e outras. Acredito que na altura o vinho era logo consumido, por homens e mulheres."
Um vinho que foi feito há dois anos no concelho de Valpaços e já há produtores interessados em comercializar esse néctar feito como na pré-história diz Augusto Lage um dos impulsionadores da Associação agora criada. "Há produtores interessados porque é feito de forma única e pode ter mercado principalmente por ter a oportunidade de beber vinhos como há dois mil anos."
Um a ideia que já teve eco na Comissão vitivinícola Regional de Trás os Montes. Francisco Pavão é o presidente e salienta que já estão a preparar uma certificação para esses vinhos e acrescenta que a candidatura que irão apresentar à UNESCO é quase uma obrigação. "Porque é preciso preservar este património único."
Também Adérito Freitas acredita que a candidatura conjunta com os espanhóis deverá ser uma realidade. "Estou muito confiante e com muito entusiasmo e acredito que sim."
Mas antes disso há um sonho que o principal responsável por toda esta descoberta dos lagares cavados na rocha gostava de ver. "Gostava que fossem postas fotografias na net de todos os lagares e que ao clicar tivesse toda a informação acerca deste ou daquele."
Adérito Freitas gostava também de ver ali criado um parque geológico para mostrar a riqueza do concelho nesta área. Uma vontade que o município poderá ponderar.
O presidente Amílcar Almeida quer, a curto prazo, por no papel e no terreno, rotas visitáveis, a todos os lagares, para atrair turistas ao concelho. "Para que possam vir famílias ao concelho e visitar o património e com isso que percebam que temos uma gastronomia única, paisagens deslumbrantes e gente hospitaleira como em mais lado nenhum. A aposta da autarquia tem que passar por oferecer experiências aos que nos visitam."
Os lagares escavados nas rochas graníticas que há mais de 2000 anos faziam vinho no norte de Portugal e na Galiza estão em vias de voltar a ter uma importância cultural, social e económica nestas duas regiões periféricas de Portugal e Espanha.