Luísa Amaro: “Para Carlos Paredes, não era ele, mas sim a guitarra, o mais importante”
A guitarrista e compositora, que foi companheira na vida e no palco de Carlos Paredes, falou com a TSF sobre o músico que mudou a forma como se escuta a guitarra portuguesa. No centenário do nascimento de Carlos Paredes, Luísa Amaro recorda os ensinamentos do mestre
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Como foi o primeiro espetáculo ao lado de Carlos Paredes?
O primeiro espetáculo, felizmente, foi uma pequena apresentação de uma pessoa, que era o capitão [Francisco Faria] Paulino, e que com a [Galeria] Altamira realizava momentos culturais. Então, ele tinha uma exposição com escultura e pintura e convidou o Carlos Paredes para essa apresentação, que era uma coisa curta. Faltaram, porque não estavam disponíveis, tanto o Fernando Alvim como o nosso outro amigo que acompanhava o Carlos Paredes. Telefonou-me, desesperado, porque eu já o tinha conhecido, a perguntar se eu não me importava de o acompanhar. Eu disse que sim. Era novinha, era muito novinha. A pessoa tem um bocadinho aquela inconsciência que está tudo bem.
Lembra-se o que tocaram?
Ah! É sempre os Verdes Anos, claro. Ele teve a delicadeza e o cuidado de não escolher as mais complicadas. Portanto, tenho a ideia que foi, claro, os Verdes Anos, foi o António Marinheiro, foi o Mudar de Vida. Depois houve mais, mas eu já não... As Variações do pai [Artur Paredes], mas essas ele tocou sozinho, que eu ainda não tinha aprendido. Mas foi assim uma coisa mais sólida, digamos. Depois já foram grandes concertos, depois já foi com convite.
Tem a ideia de quantas apresentações fizeram juntos?
Centenas.
Foi?
Sim, à vontade, centenas.
Uma apresentação em concerto num grande palco ou naquelas récitas em salas mais pequenas, mas, mesmo assim, algumas vezes em palácios perante famílias reais. Isto era igual na cabeça do Carlos Paredes?
Exatamente igual. É uma pergunta muito interessante, porque, para o Carlos Paredes, não havia qualquer diferença em estar a tocar num determinado sítio ou no outro. Porque, para ele, a linguagem final era o respeito pelas pessoas para quem estava a tocar. Esse respeito era consensual, tanto num lado como podia ser uma junta de freguesia pequenininha e [como] podia ser em Windsor, vamos supor. Não importava. Ele sentia que tinha de tocar bem, tinha de cumprir o seu dever da melhor forma possível. Dar a conhecer a guitarra era a grande preocupação e não dar-se a conhecer a si. Aprendi com o Carlos Paredes a nunca utilizar a música [em proveito próprio]. Ele disse-me: “Nunca utilizes a música em teu proveito, põe-te ao serviço da música.” Isto, quando se tem vinte e poucos anos, marca. Era essa a atitude. Para mim, talvez fosse outra responsabilidade, não só porque ficava deslumbrada, às vezes, com determinados sítios e ficava surpreendida com outros sítios. Havia sítios muito simples, muito humildes, mas em que eu via o Carlos Paredes com ternura e com respeito. Portanto, as coisas acabam por se equilibrar nos pratos da balança.
E havia interação no antes ou no depois da apresentação com alguns dos anfitriões?
Havia sempre. Se fossem eventos mais de população portuguesa, tranquila, das suas casas de cultura, por exemplo, ou juntas de freguesia, as pessoas sabiam que iam ouvir o Carlos Paredes. Quando acabava a atuação, as pessoas rodeavam-no com carinho e era um entre todos. Eu, às vezes, ficava de fora, porque achava interessante observar. Quando eram coisas mais oficiais, o Carlos Paredes talvez se distanciasse um pouco, porque achava que não era o meio dele. Mas, claro, os anfitriões vinham sempre ter com ele de uma forma muito educada. O Carlos Paredes era um homem muito culto. Rapidamente entrava numa conversa de superior qualidade. Os anfitriões, muitas vezes, ficavam espantados, porque não era só um guitarrista, era uma pessoa culta. E, então, começavam numa conversa mano a mano. Ele dizia muitas vezes: "Isto é o que dá ser músico, ser um músico popular." A música liga-nos, independentemente do extracto social a que se pretende. Sobretudo era a força que aquela música tinha e que tocava profundamente as pessoas que a ouviam. Se fosse a primeira vez... vi reações que eu nunca acreditaria. Por exemplo, com banqueiros ingleses. Não é bancários, é banqueiros! No final de um concerto, absolutamente emocionados, a pedirem ao Carlos Paredes para lhes assinar o programa e a dizerem o que é que queriam que ele escrevesse. Nós esperamos isto de pessoas amigas ou do ambiente mais familiar, não é? Não banqueiros!
Há uma das muitas coisas que li nas últimas semanas a propósito do centenário, uma das ideias que tirei foi que o engenheiro de som, Hugo Ribeiro, que é considerado um mestre também na arte de registrar o Carlos Paredes com a guitarra portuguesa, ele confirma que havia um certo desconforto na gravação em estúdio, nas sessões de estúdio. De onde é que vinha esse desconforto? Isso percebe-se?
Percebe-se. A insegurança do Carlos Paredes, não a insegurança do homem que estava em público, mas a insegurança de ser ultrapassado pelas máquinas, que na altura gravava e, se não saísse perfeito, tinham de fazer bobinas e fitas. O Carlos Paredes tinha medo que não saísse bem e ia incomodar o Hugo até à exaustão até que aquilo saísse bem. Era o terror dele. Ele dizia: “É uma nota que fica gravada e que fica gravada para sempre.” Portanto, estava sempre com essa autocrítica e ficava muito enervado, porque, no fundo, era uma luta dele contra a máquina, apoiando-se no Hugo. Depois, com o andar das vezes que uma pessoa está em estúdio e diz: "Agora não está bem, vou repetir"... começa a ficar cansada. As mãos ficam cansadas. Ele queria que saísse tudo bem à primeira para não incomodar o Hugo. Sempre essa ideia de não querer incomodar e sempre com medo desta luta desigual entre a máquina e ele. Portanto, ele não gostava mesmo de ir para o estúdio. Pior quando passámos a sistemas analógicos, em que tudo é muito mais perfeito e ele não gostava de repetir, mas [os engenheiros de som] diziam-lhe: “Olha, não há problema, porque podemos cortar a nota.” E o Carlos Paredes não queria fazer isso, porque não queria enganar o público, queria que fosse gravado como ele estava a tocar. Era uma luta titânica entre ele e as máquinas.
Já agora, a Luísa gravava ao mesmo tempo que o Carlos ou gravavam em sessões separadas?
Gravávamos ao mesmo tempo. Eu tinha que me aguentar, às vezes já exausta, mas não me queixava. Não podia, porque se eu me queixasse era logo o baralho de cartas a cair. Ele dizia logo: “A Luísita está cansada, portanto vamos acabar com isto!”
As respirações do Carlos Paredes ouvem-se perfeitamente nas gravações. O instrumento, neste caso a guitarra portuguesa, para um músico como o Carlos Paredes é uma extensão do corpo?
Sim, no caso do Carlos Paredes é uma extensão do corpo. Agora olho para trás e vejo que tudo aquilo é uma unidade perfeita. Vejo também que aquele homem nasceu para tocar guitarra. A guitarra, como é hoje, só tinha de cair naquelas mãos, no seu pai, claro que sim, e depois nele. Tudo faz sentido: mãos grandes, a forma de ligação com o próprio instrumento, a força das 12 cordas de aço.
Aliás, ele passava o dia inteiro a tocar: não era tocar, era estar a trabalhar as mãos, fazer escalas para cima e para baixo, sempre agarrado à sua menina. Na China, o maestro chinês queria dar os parabéns ao Carlos Paredes e dizia: “Where is the pretty girl?” Portanto, a menina. No início, pensei que era comigo e, depois, o nosso empresário, na altura, veio ter comigo e disse-me: “Luísa, tenho de lhe dizer, a pretty girl não é a Luísa, é a guitarra do Carlos Paredes." Até o maestro chinês percebeu aquela ligação fortíssima de amor com o instrumento.
Então, a guitarra era uma banda sonora ao longo do dia?
Era, exatamente. Giro: a minha vida vivia numa banda sonora. Exato! Nunca tinha pensado nisso assim.
O Carlos Paredes lamentava, no início da década de 1990, a falta de empenho em Portugal para fomentar e para divulgar a música erudita. O que ele estava a dizer, provavelmente, era que a guitarra portuguesa não era apenas uma guitarra para acompanhar os e as fadistas, mas que é um instrumento que tem vida própria se o criador, se o tocador, assim o quiser. Passaram um pouco mais de 30 anos. A guitarra portuguesa ganhou esse lado erudito ou reforçou esse lado erudito?
Respondendo à sua primeira parte, o que o Carlos Paredes se referia era mesmo à música clássica. Ele sentia que a música clássica não era acarinhada, nem cuidada, como ele via, por exemplo, quando ia à Alemanha, onde por todos os lados, até em pequenas aldeias e vilas, a pessoa vai na rua e ouve pessoas a fazer música. Uma vez, fomos a casa de uns amigos na Finlândia e uns vizinhos de baixo estavam a fazer música de câmara. E o Carlos Paredes dizia: “Isto é impossível de ouvir em Portugal.” Era isso que lhe dava mágoa. Ele gostava que a música erudita fosse mais apoiada ou mais cimentada em Portugal, coisa que ele não sentia. Quando se fala de música erudita, era mesmo a música erudita. Dizia que faltava e falta, na verdade, compositores em comparação com os grandes compositores na Áustria ou na Alemanha. Ele dizia que esse lado da música não estava a ser cuidada.
E mudou?
Eu acho que, agora, sim, embora, talvez, nos faltem compositores eruditos, [os que há] também não são divulgados. Se calhar, há muita coisa que acontece e que não é divulgada. Relativamente à guitarra propriamente dita, com o Carlos Paredes ainda vivo, mas já doente, nasceu uma geração que começou a trabalhar a guitarra a sério. Quando o Carlos Paredes morre, decorridos 11 anos de estar doente, esses jovens começam a ter 19, 20 anos e já começam a ser bons guitarristas e têm desenvolvido muito o estudo da guitarra [até a nível académico]. Talvez lhes falte a componente de cultura musical da dita música erudita, para ir mais além.
É muito popular ainda, é isso?
Ainda é, embora esteja muito mais aperfeiçoada, que se vê em guitarristas fora de série. Há muita gente nova que está a tocá-la com uma energia nova. Por exemplo, a Mafalda Lemos, uma jovem guitarrista da Escola Superior de Música de Lisboa, e que toca Paredes muitíssimo bem, muitíssimo mesmo. Mas, por outro lado, ela está a fazer os seus estudos sobretudo de música contemporânea e ela quer desenvolver uma área da música contemporânea para a guitarra portuguesa. O que é interessante. Temos o Ricardo Rocha, que já fez muita coisa. É interessante este sentido de evolução, de não parar esta bola na guitarra, este movimento que pode criar coisas novas.
Já percebi que nota a evolução no interesse pela aprendizagem da guitarra. Há mestres disponíveis para ensinar ou para passar essa mensagem?
Alguns, creio que sim. Continuam um bocadinho fechados na guitarra de Lisboa, ainda se aprende muito por tradição uns com os outros ou nas casas de fado, aquelas técnicas todas de fado, aí não domino. Coimbra tinha o doutor Jorge Gomes que ensinava, mas era tudo por ouvido, porque sempre foi essa a tradição. É espantoso, porque tanta gente a aprender a tocar bem as peças do Artur Paredes, do Carlos Paredes, por ouvido, com a generosidade e a paciência do doutor Jorge Gomes, que foi responsável por uma série de gente que aprendeu a tocar como deve ser. Já a preocupação de fazer partituras, por um lado é bom, por outro lado é complicado. É bom, porque a pessoa já vai buscar as notas certas, se não tiver a certeza do que o ouvido diz. Mas é claro que fica tudo espartilhado.
Mas as partituras do Carlos Paredes estão todas neste momento publicadas?
Não, não estão. Uns têm as partituras e não as dão, os outros dão, mas não querem dar. É uma confusão! E é uma pena, porque acima disso tudo está o Carlos Paredes. Isto é uma mágoa que tenho, porque não haveria nada disto se não houvesse Paredes.
Quem é que fica prejudicado? Eu acho que são eles, não é o Carlos Paredes, porque está acima de tudo.
A Luísa começou na guitarra clássica, pegou depois na guitarra portuguesa. Num lado e no outro teve alguns grandes mestres.
Sim.
Qual é a guitarra da sua vida?
Continua a ser a guitarra clássica, porque foi a minha base. Tive um professor de guitarra no conservatório, o professor Lopes e Silva, que também tinha uma guitarra portuguesa para fazer música contemporânea. Para mim, foi realmente o pioneiro na utilização da guitarra portuguesa em música contemporânea. Eu perguntava: "O que é feito da sua guitarra?" E ele: "Está fechada, está guardada. Se eu pudesse, até fechava essa guitarra à chave, deitava a chave fora." Mas porquê? "Porque a guitarra portuguesa é um instrumento tão hipnotizador que uma pessoa começa a pegar nela e já não a larga.” Ele prosseguia: “Tenho de trabalhar na guitarra clássica, porque sou professor e, quando pego na guitarra portuguesa, é tão encantatória que não a consigo largar.” Portanto, como o meu professor, sinto que penso como guitarra clássica, mas quando se pega na guitarra portuguesa voamos por outro lado. Tem essa magia que o Carlos Paredes também dizia: “Uma pessoa que agarra a guitarra portuguesa nunca mais a consegue largar.” É uma ambivalência.
Fazem-se boas guitarras?
Fazem-se boas guitarras, sim. Há grandes construtores. Tudo começou a evoluir imenso depois de 2004. Acho que até lá estavam todos a crescer. Mas tínhamos o Gilberto Grácio, que já faleceu, infelizmente. A família Grácio foi a responsável pelas guitarras da família Paredes. Tenho uma guitarra do Sr. Gilberto Grácio e gosto muito dela e não a trocava por nada, porque tem um som que é feito também à minha maneira. Mas tem o Hugo, que é discípulo do Sr. Grácio. Há já certos cuidados a quem constrói, também porque quem quer guitarras também já é mais exigente. Continua a haver essa relação: o luthier vai fazendo, mas também o cliente cada vez sabe mais de música e exige mais deles.
Não sei se valida esta informação, mas o Carlos Paredes contava que o pai, Artur Paredes, não gostava do lado indisciplinado do filho, no início, quando os dois tocavam juntos. O discípulo tem tendência a ser indisciplinado em relação ao mestre?
No caso do Carlos Paredes, sim, porque o Artur Paredes, tanto quanto o Carlos Paredes me dizia, era um perfecionista. O Carlos Paredes dizia: “O meu pai é capaz de estar uma tarde inteira até conseguir encontrar o desenho certo para fazer uma frase.” Era meticuloso. O Sr. Gilberto Grácio contava-me que ele, depois das horas de trabalho no banco, ia ter com o João Pedro Grácio Júnior, portanto, com o pai do Gilberto Grácio, medir a tensão das cordas. Ele estudava a tensão das cordas que melhor se adaptariam à sua forma de tocar. Era um homem meticuloso, muito ordenado e muito obcecado pelo trabalho. Fazia unhas às centenas para ter o resultado certo, sempre com o objetivo de ter o resultado que o satisfaria.
O Carlos Paredes não: era completamente indisciplinado, improvisava muito. A sua cabeça e o seu génio levavam-no para outros lados. Compreendo essa desarmonia entre pai e filho, porque com o Carlos Paredes nunca se sabia o que é que ele ia fazer a seguir. Ele podia começar a improvisar. Uma pessoa sorria... Imagine um homem, absolutamente obcecado pela perfeição, ter ao lado um filho que é genial, mas que, de repente, quer fazer outra coisa — não porque queira contrariar o pai, mas era a sua natureza. Portanto, é natural que tenha havido choque: não geracional, mas choque de génios.
O que é que incomoda a artista e a cidadã Luísa Amaro?
Em que sentido?
Na música.
O que me incomoda, sinceramente, é a falta de compaixão entre os músicos. Às vezes, a inveja. Aliás, a inveja é uma coisa transversal ao país todo. Somos um país pequenino e as coisas passam-se logo de outra maneira. E, às vezes, a inveja pelas coisas mais pequenas: quando nós podíamos todos evoluir num determinado sentido que era melhor para todos, não! Há sempre aquele maldito obstáculo.
Isso é diferente do que era noutros tempos, nomeadamente quando a Luísa começou a tocar e a compor.
Comecei com a guitarra clássica no conservatório. Era diferente. Eu era muito mais nova. Com o Carlos Paredes, eu nunca senti essa inveja ao acompanhá-lo, também porque Carlos Paredes está num patamar muito superior. Bem podiam querer bater que não chegavam lá. Não estou a dizer isto pelo profundo carinho e amor que tinha e tenho pelo Carlos Paredes, [mas sim] era uma coisa superior. Mas também havia, por outro lado, uma grande boa vontade à volta do Carlos Paredes. Depois, quando nós caímos na terra, eu sozinha, a pessoa começa-se a sentir que tudo corta e é por maldadezinha, pelos sentimentos talvez mais absurdos. Por outro lado, é uma luta que percebemos: ok, estão-me a cortar aqui, mas eu tenho de ser resistente. É uma aprendizagem de vida.
Qual é a música, a composição que prefere do Carlos Paredes?
Pode pensar que eu lhe vou dizer Verdes Anos.
Não, não estava nada a pensar nisso.
Mas toda a gente pensa logo nos Verdes Anos. Não! É o Canto do Rio. Gosto muito do Canto do Rio. É uma música com muita luz, que o Carlos Paredes dedicou a Tejo: tem aquele azul do rio, tem o branco do Mosteiro dos Jerónimos, tem aquela placidez, aquela tranquilidade do rio ali a banhar os Jerónimos. Era, para mim, talvez psicologicamente, a música com que ele fechava o concerto depois de tocar as peças mais impressionantemente difíceis, aquilo era a calmia. Tudo brilhava com tranquilidade. É, para mim, a música mais feliz do Carlos Paredes.
O programa do centenário, que está em curso com uma maior atividade agora desde o início deste mês, está à altura da importância do Carlos Paredes?
Acho que sim. Seria terrível da minha parte dizer que não. Está mesmo muito bem, está à altura. É tudo feito com o que se pode e o que não se pode. Aqui percebe-se a nova geração, que em muitas áreas foram influenciados pelo Carlos Paredes. Isso é que é muito interessante. Porque se percebe que o Carlos Paredes lança uma semente, sem ele querer, porque ele até achava que, acabando a vida, a guitarra morreria com ele. Achou que nunca seria tão importante que depois da sua morte se continuasse a falar dele. Por conseguinte, ver tanta gente nova que, de repente, é influenciada pelo Carlos Paredes, dentro das suas áreas musicais, não só na guitarra, mas é interessante, sobretudo nas outras, é por aí que se vê que a memória e a semente ficou. Há coisas muito boas, há músicos muito bons, por exemplo, quando foi a Orquestra Metropolitana: nunca o Carlos Paredes imaginaria ser tocado por uma orquestra como a Orquestra Metropolitana. Portanto, abrem-se caminhos. Isso é muito interessante. E grandes músicos que estão a tocar Paredes.
O que é que há de Carlos Paredes, se é que é possível isolar isso no trabalho da Luísa, quando está a compor e quando está a atuar? Consegue isolar?
Eu consigo, sim. A primeira coisa que eu penso é que gostaria de fazer tudo longe do mundo de Paredes. Agora, não há como, porque tenho dentro de mim a tal banda sonora enquanto se trabalha. Dentro de mim está sempre uma harmonia sonora com a qual me identifico. É uma respiração com a qual me identifico. Portanto, nessa medida, está lá e não há como.
Agora, a minha grande preocupação é distanciar-me. Conseguir fazer qualquer coisa com o mínimo de qualidade, mas longe do som Paredes. Há tendência para cair no som Paredes.
Ou, pelo menos, há tendência, há o risco de os outros olharem e andarem à procura do som Paredes...
Mesmo que não estejam, vão tentar. Tento surpreender de outra maneira. E, claro, demora-se muito mais a trabalhar quando se procura uma coisa dessas. Felizmente, tenho pessoas amigas, músicos com paciência que ouvem e que me fazem a crítica. Rapidamente limo certas coisas. Vai-se andando, vai-se caminhando com isto.