Mais de mil palavras e uma gramática: Barrancos lança dicionário do barranquenho, "um dialeto vivo que deve ser preservado"
O material resulta de um trabalho de várias décadas. Em declarações à TSF, o presidente da autarquia, Leonel Rodrigues, refere que o objetivo é preservar uma língua falada por todos na vila raiana de Barrancos
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Um dicionário com mais de mil palavras, uma convenção ortográfica elaborada por especialistas e uma gramática básica com exercícios práticos estão prontos e são o "primeiro passo" para preservar o barranquenho, falado na vila raiana de Barrancos. Este material resulta de um trabalho de muitas décadas, cujo objetivo é preservar uma língua usada por todos naquela vila alentejana.
"É um dialeto vivo que queremos preservar", afirma, em declarações à TSF, o presidente da autarquia, Leonel Rodrigues, explicando: "O que acontece é que tiramos os S, falamos com B em vez do V, entre outras situações". O autarca refere que falam também "com tonalidades". "Há muita gente que diz que falamos a cantar", diz.
Leonel Rodrigues adianta que o Centro Interpretativo do Barranquenho está a ser "ultimado" para que possam ser criados pacotes para a aprendizagem da língua.
A documentação foi elaborada no âmbito do Programa de Preservação e Valorização do Património Cultural Barranquenho, numa parceria entre o município e a Universidade de Évora (UÉ), nomeadamente com os professores Maria Filomena Gonçalves e Victor Correia e a filóloga espanhola María Victoria Navas.
O dicionário conta com “mais de mil palavras” e foi concebido “como obra aberta”, ou seja, permite a introdução de novo vocabulário “em uso” ou “que faz parte da memória de Barrancos”.
Este documento é ainda acompanhado por uma aplicação móvel que pode ser descarregada e que permite a sua consulta digital.
A convenção ortográfica foi construída através de critérios científicos, elaborados por especialistas em linguística e em sistemas de escrita, que, “ao contrário do dicionário, não são compatíveis com alterações avulsas decorrentes do que acham os falantes”, explicou.
Numa nota publicada nas redes sociais, a autarquia admitiu que “a escrita, tal como acontece em qualquer língua, é sempre uma representação imperfeita da oralidade”, mas “não regista alterações continuamente”, uma vez que pode “criar um caos gráfico e enorme insegurança entre os escreventes”.
Desta forma, pode ler-se, “uma vez convencionada, por mais dificuldades que apresente, deve permanecer durante um tempo suficientemente longo para se 'entranhar' no cérebro dos escreventes a imagem gráfica das palavras”.
Quanto à gramática básica, existe a possibilidade de serem “introduzidas revisões”, como “a inclusão de exercícios didáticos”, que facilitarão “uma melhor aprendizagem” do dialeto.
O parlamento aprovou, a 26 de novembro de 2021, um diploma, resultante de projetos de lei apresentados pelo PS e PCP, que reconhece o direito a cultivar e a promover o barranquenho e estabelece medidas para o proteger, promover e valorizar.
Em 19 de dezembro do mesmo ano, a Presidência da República divulgou que o Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, tinha promulgado o diploma, o qual passou a lei.
O barranquenho resulta do contacto entre o português meridional (o alentejano) com fortes traços das variedades meridionais espanholas (da Andaluzia e Estremadura) e a sua origem estará ligada aos assentamentos de súbditos do reino de Castela na Idade Média à volta do Castelo de Noudar, em Barrancos.
