"Mesmo nos maiores momentos de tensão social nunca se viu o que agora se assiste no Parlamento"
Em declarações à TSF, Sara Barros Leitão, que escreveu a peça de teatro "Guião para um País Possível", baseada em intervenções parlamentares dos últimos 50 anos, garante que hoje a dramaturgia seria bem diferente
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O espetáculo, que esteve em cena recentemente no Teatro Carlos Alberto, no Porto, foi escrito a partir das intervenções parlamentares e apartes registados na Assembleia da República nos 50 anos de democracia.
O argumento é de Sara Barros Leitão, mas a atriz e encenadora considera, na TSF, que, com a chegada do grupo parlamentar do Chega ao hemiciclo e os insultos que se ouvem diariamente por parte daquela bancada, hoje teria matéria para realizar uma peça de teatro totalmente diferente. "Mesmo nos períodos mais tensos — como nos anos da Troika ou na Constituinte, quando houve um cerco ao Parlamento e em que nem sempre era clara a hierarquia de poderes — mesmo nestes momentos de tensão social nunca se assistiu ao que agora se assiste."
Sara Barros Leitão lembra que durante a Constituinte faziam-se leis e “era preciso dar resposta às pessoas, como construir casas, criar saneamento, pôr crianças na escola, acabar com a fome e receber milhares de pessoas que vinham das ex-colónias”, concretiza.
Após ouvir na semana passada os insultos de parlamentares do Chega dirigidos à deputada socialista Ana Sofia Antunes, a atriz acredita que “certamente hoje faria um espetáculo muito diferente” daquele que escreveu em 2023: “O espetáculo continua a percorrer o país, mas o que sinto é que, a cada dia, fica muito desatualizado.” "O tom alterou-se radicalmente", lamenta ainda.
A artista explica que escrever aquele argumento representou para si uma celebração da democracia, mas hoje não sentiria motivação para o fazer desta forma. "Quando decidi fazer este espetáculo, era quase como uma carta de amor minha à democracia, ao Parlamento e à vida parlamentar", confidencia.
Aquilo que acontece hoje em dia no Parlamento português tem como único objetivo desprestigiar as instituições para depois dizer que elas não funcionam.
Sara Barros Leitão aponta o dedo aos deputados do Chega que acredita terem como propósito "criar o caos absoluto, para depois se autoproclamarem como os capazes de repor a ordem".
Espera que, para memória futura, os registos da Assembleia da República (AR) continuem a ser feitos com total rigor, porque é importante que se saiba quem disse o quê e a quem. "Espero que os diários da AR continuem, tal como foram nestes 50 anos, a ser fiéis e rigorosos na descrição dos acontecimentos e que não passem por um lápis azul", sublinha.
"O meu desejo é que a situação presente não impeça que, no futuro, qualquer artista faça livremente qualquer espetáculo e eu penso que rapidamente podemos caminhar para aí", lamenta.
O espetáculo Guião para Um País Possível não contém os recentes acontecimentos e insultos ouvidos no Parlamento, mas vai ainda ser levado à cena no Cine-Teatro de Estarreja, no dia 26 de abril.