“Não queremos viver num país do medo.” Concentrações pelo país condenam racismo, partidos exigem "firmeza" contra violência de extrema-direita
“É preciso que os democratas não alinhem na falsa equivalência entre uma extrema-direita perigosa, violenta e muitas vezes assassina e uma eventual esquerda que, segundo alguns, também seria violenta. Isso não é verdade”
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Centenas de pessoas concentraram-se na tarde deste domingo em frente ao Teatro A Barraca, em Lisboa, em solidariedade com o ator Adérito Lopes, agredido na terça-feira por um grupo ligado à extrema-direita. Ao mesmo tempo, iniciativas semelhantes decorreram também no Porto ou em Coimbra, entre outras cidades. Presentes no protesto na capital, o Livre, o PCP, o BE e o PAN exigiram uma resposta firme à violência da extrema-direita.
Com cartazes nas mãos e palavras de ordem contra a discriminação, os manifestantes ocuparam o Largo de Santos, num ambiente marcado por indignação e solidariedade ao mesmo tempo.
Sob o lema “Não queremos viver num país do medo”, a concentração em Lisboa contra o racismo e a violência foi organizada por diversas estruturas da sociedade civil, coletivos artísticos e associações, entre as quais a SOS Racismo, A Plateia ou os Artistas Unidos.
O Livre, o BE, o PCP e o PAN exigiram durante a manifestação uma resposta firme do Governo à violência da extrema-direita. Jorge Pinto, deputado do Livre, sublinhou que “o setor da cultura está sempre entre os primeiros alvos destes grupos” e considerou que é essencial “combater o discurso de ódio, seja nas redes sociais, na comunicação social ou no Parlamento”.
Para o deputado, o silêncio institucional tem sido cúmplice: “É inaceitável que representantes da extrema-direita tenham tempo de antena ilimitado para propagar discurso violento. É expectável que depois essa violência se traduza nas ruas”, acrescentou.
Jorge Pinto pediu ao Governo coragem política para cumprir a Constituição e aplicar a lei: “Temos um quadro legal que nos deveria proteger deste tipo de organizações. O que falta é vontade.”
O deputado acusou ainda alguns líderes políticos de relativizarem o perigo da extrema-direita: “É preciso que os democratas não alinhem na falsa equivalência entre uma extrema-direita perigosa, violenta e muitas vezes assassina e uma eventual esquerda que, segundo alguns, também seria violenta. Isso não é verdade.”
Do lado do PCP, Paulo Raimundo lembrou que “não se trata de uma escaramuça, é um crime de ódio”, alertando que o artigo 46.º da Constituição proíbe expressamente a existência de organizações fascistas ou neonazis. “As autoridades têm de agir. Parece que têm feito alguma coisa, mas claramente não é suficiente”, lamentou.
O secretário-geral comunista defendeu que “o inimigo não é o nosso vizinho imigrante ou trabalhador, mas sim quem concentra riqueza à custa do trabalho de todos”, e criticou a estratégia de dividir para reinar: “É alimentar o discurso da divisão. É dar gasolina a este fogo.”
Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda, acusou o Governo de encobrir o crescimento destes grupos. “O grupo que atacou este teatro tem elementos que assassinaram Alcindo Monteiro há 30 anos. Estava identificado como terrorista no relatório de segurança interna, mas esse capítulo foi retirado, e foi o Governo que decidiu omitir esse perigo”, apontou.
A coordenadora do BE sublinhou que “o fascismo entra pelas nossas cabeças antes de ocupar o poder”, e que a conivência institucional contribui para a sua normalização: “Não é tudo igual. A extrema-direita está a atacar pessoas, teatros e partidos. Não pode ser tratada como mais uma versão da realidade”.
Mortágua criticou ainda o facto de o agressor ter sido entrevistado em televisão para, segundo ela, “relativizar o ato” e “apresentar uma história alternativa”. Para a dirigente bloquista, “isso é dar palco ao fascismo e reforçar a sua banalização”.
Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, alertou para a “normalização de discursos e comportamentos fascistas, até dentro da Assembleia da República”.
Além do caso do ator agredido, lembrou outras situações recentes: “Também duas voluntárias foram atacadas no Porto enquanto distribuíam comida a pessoas em situação de sem-abrigo. Isto está a alastrar-se”, comentou.
A deputada denunciou ainda ameaças pessoais: “Esta semana tomámos conhecimento de que um indivíduo foi acusado pelo Ministério Público por afirmar que a minha cabeça e a de outros deputados ficavam bem expostas num poste da Avenida da República. Isto não pode ser tolerado.”
Sousa Real defendeu mais formação para as forças policiais, reforço de meios para a justiça e vigilância ativa sobre grupos de ódio: “Temos de atuar com firmeza, dentro e fora do Parlamento. Se acham que nos vão meter medo, não nos vamos calar”, concluiu.
