"No momento do voto, temos todos a mesma importância." Exposição sobre primeira eleição em democracia abre portas em Lisboa
Com curadoria de Catarina Vasconcelos e Pedro Magalhães, a exposição proporciona uma viagem no tempo até ao ano de 1975 e à realidade política que elegeu a Assembleia Constituinte
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As letras vermelhas no vidro não deixam margem para dúvidas: "Haverá eleições." Além da expressão que se adequa aos dias de hoje, este é também o nome da exposição que recua 50 anos, até às primeiras eleições livres em Portugal, e que abriu esta terça-feira ao público, em Lisboa, a propósito do aniversário redondo das eleições para a Assembleia Constituinte.
O local é o piso inferior da Fundação Gulbenkian. E não é por acaso: "É importante, não só porque foi aqui o centro de imprensa, mas também porque foi aqui o centro de escrutínio das eleições", começa por notar o cientista político Pedro Magalhães que, juntamente com a realizadora Catarina Vasconcelos, assina a curadoria da exposição.
Além de uma primeira parte que relembra o caminho até ao 25 de Abril de 1974 — e ainda relembrando o episódio na I República do voto pioneiro de uma mulher, Carolina Beatriz Ângelo — o percurso até à primeira eleição começa por lembrar um aspeto que hoje a sociedade dá por garantido, mas que, à época, foi o cabo dos trabalhos para o Coronel Manuel da Costa Brás: montar a máquina eleitoral.
"Agora é preciso organizar eleições e ele já não tinha 365 dias, tinha 260 e tal... E como é que isto se vai fazer? É preciso fazer o recenseamento eleitoral que, obviamente, tinha limitações enormes, estimava-se que iria triplicar o número de recenseados. E como é que isto se faz? Como é que se organizam as eleições?", realça Pedro Magalhães durante a visita guiada à imprensa, apontando um outro fator: quem vai pagar?
Notando a ironia, o cientista político lembra que o Ministério da Administração Interna, então tutelado por Costa Brás, tinha ficado a gerir os fundos remanescentes da PIDE e da Legião Portuguesa e que são precisamente esses fundos que pagam o recenseamento em democracia. "Justiça poética", atira Catarina Vasconcelos.
No caminho para a noite eleitoral, ainda um grande destaque para o 11 de março e a tentativa de golpe por António de Spínola ou ainda a campanha eleitoral, que foi bastante violenta, como vinca Pedro Magalhães. "Todos os dias há confrontos, todos os dias há pancadas, há muitas situações de tiroteio, há boicotes de comícios, corta-se a eletricidade, cercos... O nosso atual Presidente da República teve de ser retirado de Beja pelo Regimento de Infantaria 3, no comício do PPD; o comício do PCP foi atacado por pessoas com machados e matracas em Vagos, Aveiro; todos os dias há situações destas."
No fim da exposição, para quem gosta mesmo de noites eleitorais, pode ficar a ver como foi a emissão de há 50 anos e também constatar a emoção desta primeira eleição. Como destaca Catarina Vasconcelos, as imagens são de "uma comoção, uma dignidade, uma esperança que não encontram fronteiras".
Quis o destino que tivéssemos umas legislativas no horizonte e, assim sendo, é previsível a provocação aos curadores: "Será mais fácil convencer alguém a visitar a exposição ou ir votar no 18 de maio?"
Entre gargalhadas, Catarina Vasconcelos e Pedro Magalhães apela a que os cidadãos vejam a exposição e que, no final, eles os convencem a ir votar. "Fazemos por fases, venham cá primeiro que nós convencemos a ir votar."
Mudando o chip para um registo mais sério, Magalhães deixa o ponto de vista que não se pode esperar que uma eleição agora, para eleger a Assembleia da República, "possa suscitar o mesmo tipo de emoção e o mesmo tipo de reação que esta teve, porque esta é uma eleição muito especial".
Vincando que foi a primeira eleição livre em Portugal, com sufrágio universal, Pedro Magalhães lembra que "as pessoas tinham a noção da altura e que estavam a decidir uma coisa de uma importância transcendente, estavam a decidir em que regime é que iam viver". Ainda assim, o politólogo nota:
É impossível nós olharmos para estas imagens e para a vontade que as pessoas tinham de se fazer ouvir e não pensarmos que era bom que essa vontade, de alguma maneira, fosse recuperada e que as pessoas tivessem presente neste momento.
"O momento do voto é das poucas circunstâncias na nossa vida em que nós temos todos a mesma importância, pesamos todos o mesmo. Em tudo o resto da vida há sempre pessoas com mais ou menos poder, com mais influência, com mais dinheiro, com mais propriedade, com mais isto, com mais aquilo, aqui valemos todos o mesmo e isso é uma oportunidade que não se pode perder", conclui fazendo a leitura da realidade de hoje à boleia daquilo que foi há 50 anos.
Haverá eleições. 1975: as primeiras eleições livres em Portugal é uma exposição da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e fica até ao final de outubro na Gulbenkian, em Lisboa.