“O espião que veio do futebol." A vida secreta de Cândido de Oliveira chega ao cinema
A longa-metragem sobe ao grande ecrã no próximo dia 9 de maio. Conta a vida dupla de Cândido de Oliveira como inspetor dos correios e espião durante a Segunda Guerra Mundial. Apaixonado pelo futebol, lutou sempre por um ideal de “humanismo” durante o Estado Novo.
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Cândido de Oliveira é um nome que associamos à Supertaça de futebol, troféu disputado no início de cada época entre os vencedores do campeonato e da Taça de Portugal da temporada anterior. Mas continua a ser desconhecida para muitos a faceta de espião deste homem que se tornou, entre várias coisas, no primeiro selecionador de Portugal. Este lado escondido foi o ponto de partida para uma produção de sete anos, que termina agora com a estreia da longa-metragem nos cinemas a 9 de maio.
“O Cândido além de ter estado ligado ao futebol e de ter tido um papel muito importante nessa modalidade foi várias pessoas numa só”, conta à TSF Tomás Alves, ator que veste a “difícil” pele de quem, entre inúmeros feitos, fundou o jornal A Bola, o Clube Casa Pia, treinou vários emblemas como Sporting ou FC Porto e jogou no Benfica.
O futebol serviu quase como disfarce perfeito, mas foi a profissão de inspetor dos correios que, em 1940, gerou a cobiça da representação inglesa em Portugal, numa altura em que Cândido também escrevia para a imprensa desportiva.
O realizador do filme, Jorge Paixão da Costa, sublinha que os correios “serviam com uma porta aberta à leitura de cartas alemãs e de telegramas que chegavam”. “O Cândido estava muito perto da informação”, destaca.
Em lados opostos, a Alemanha e os aliados lutavam por este tipo de informação num país que tinha optado pela neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, Paixão da Costa afirma que “toda a gente tinha um lado” numa “Lisboa que viva sobre um grande stress”.
O realizador diz que havia “quase uma dicotomia de bem e mal”, tendo Cândido escolhido um destes lados. “Para mim os ingleses são os bons e os alemães os maus. O que me propõem que faça é para ajudar Portugal. Eu aceito e depois o dinheiro também faz falta”, refere Jorge Paixão da Costa numa tentativa de colocar-se na mente de Cândido.
Ao mesmo tempo, refere o ator Tomás Alves, o apaixonado por futebol ia defendendo mais ideais, como o “sentido de justiça e de comunidade”, num tempo de repressão potenciada pelo regime de Salazar.
Cândido aceitou, desta forma, integrar a rede Shell, que ficou conhecida por este nome devido ao grande número de funcionários da petrolífera britânica que a compunha. “Era uma rede muito sofisticada. Tinha muita gente envolvida. Foi muita gente presa quando foi desmantelada [em 1942]”, salienta Paixão da Costa.
Uma dessas pessoas que acabou presa foi Cândido de Oliveira. Primeiro foi detido e espancado pela polícia política, e mais tarde, enviado para o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde esteve preso 18 meses, entre junho de 1942 e janeiro de 1944.
As difíceis condições que enfrentou terão sido decisivas para a morte anos mais tarde, em 1958, quando estava a cobrir o campeonato do mundo na Suécia.
“Perdeu as malas e, não tendo roupa adequada para o frio da Suécia, apanhou uma pneumonia. Mas com aquela vontade de continuar a fazer o seu trabalho - de escrever para o jornal A Bola – acabou por agravar o estado de saúde, falecendo depois”, afirma João Nuno Coelho, sociólogo e comentador de futebol da TSF, que ajudou na realização deste filme.
A vida agitada foi transmitida agora ao ator Tomás Alves, que o representou nesta longa-metragem: “As rodagens foram muito intensas, tive de engordar 12 kilos e não estava à espera. Parecendo que não é algo que mexe connosco, não só fisicamente, mas psicologicamente, a nível de irritabilidade, de cansaço, e acho que isso ajudou-me a tentar perceber como é que esta pessoa era tanta coisa num só dia”.
“Percebi que isto é um personagem que dá seis filmes, não apenas um. Agora tenho de escolher qual é o melhor e escolhi este dos anos 40, porque para mim é o período mais rico da história do Cândido”, revela o realizador Jorge Paixão da Costa.
No longo percurso que teve, João Nuno Coelho destaca que Cândido de Oliveira nunca quis receber qualquer quantia com o futebol, nem como jogador, nem quando foi treinador ou selecionador. O sociólogo conta que nos anos 50 do século passado, quando orientava a Académica de Coimbra, chegou a pagar “o hotel e as refeições” com dinheiro que ganhava como jornalista no jornal A Bola.